O objetivo desse estudo é avaliar o estoque de C nas frações químicas da MOS em um solo adubado por 11 anos com dejeto líquido (DL) e cama sobreposta (CS) de suínos.

Autores: Andria Paula Lima¹; Lucas Benedet²; Guilherme Wilbert Ferreira²; Elano dos Santos Júnior³; Arcângelo Loss4; Jucinei Jose Comin

Introdução

O estado de Santa Catarina é o maior produtor de suínos do Brasil, sendo responsável por 26,35% dos abates (ABPA, 2017). Essa grande produção de suínos resulta em um grande volume de dejetos, que geralmente são descartados diretamente no solo. No entanto, os dejetos podem ser utilizados como fonte de nutrientes para as culturas agrícolas, promovendo diminuição da utilização de fertilizantes minerais e fomentando a ciclagem de nutrientes dentro do sistema produtivo. Adicionalmente, a aplicação de dejetos suínos pode promover o incremento de carbono (C) no solo, principalmente em sistemas de manejo conservacionistas, com a utilização de plantas de cobertura (MAFRA et al., 2014).

O C está diretamente ligado ao estoque de matéria orgânica no solo (MOS) que é constituída por frações com diferentes graus de humificação, sendo os principais: ácidos fúlvicos (AF), ácidos húmicos (AH) e humina (HU) (GAZOLLA et al. 2015). Essas substâncias húmicas participam em diversos processos biológicos, químicos e físicos do solo e são determinantes para a qualidade do solo e, consequentemente, na produtividade das culturas agrícolas (MAFRA et al., 2014). A quantificação das frações da MOS através do fracionamento químico para a avaliação da qualidade do solo e das práticas empregadas no manejo tem sido bastante efetiva. Assim, o objetivo desse estudo é avaliar o estoque de C nas frações químicas da MOS em um solo adubado por 11 anos com dejeto líquido (DL) e cama sobreposta (CS) de suínos.

Material e Métodos

Foram utilizadas as amostras de solo obtidas de um experimento em uma propriedade situada na microbacia Rio Cachorrinhos, no município de Braço do Norte (SC) (Latitude 28º 14’ S e Longitude 49º 13’ W, altitude de 300 m), localizado na região sul do estado. O clima da região é do tipo Cfa (clima subtropical úmido) segundo classificação de Köppen, com a precipitação média anual de 1.471 mm (EPAGRI, 2000). O referido experimento foi instalado no ano de 2002, sendo conduzido em sistema de plantio direto com sucessão de aveia/milho, sem uso de herbicidas.

O solo da área experimental foi classificado como Argissolo Vermelho Amarelo (SANTOS et al., 2013) e antes da implantação do experimento apresentava na camada de 0-10 cm os seguintes atributos: argila 330 g kg-1; matéria orgânica 33 g kg-1; pH em água 5,1; Índice SMP 5,5; P disponível 19 mg dm-3 e K trocável 130 mg dm-3 (extraídos por Mehlich 1); Al, Ca e Mg trocáveis 0,8; 3,0 e 0,8 cmolc dm-3, respectivamente (extraídos por KCl 1 mol L-1).

O experimento foi instalado em dezembro de 2002, onde os tratamentos aplicados foram: testemunha, sem a aplicação de adubos (SA); adubação com dejeto líquido de suíno, equivalente à recomendação de N ha-1 ano-1 (90 kg) para a cultura do milho e da aveia (DL90) e o dobro da dose (DL180); e adubação com cama sobreposta de suíno, equivalente à recomendação de N ha-1 ano-1 para a cultura do milho e da aveia (CS90) e o dobro da dose (CS180) (CFS-RS/SC, 1994; CQFSRS/SC, 2004). O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados, com cinco tratamentos e três repetições, sendo cada tratamento formado por unidades experimentais de 4,5 x 6,0 m (27 m2). Os DL e a CS foram as únicas fontes de nutrientes adicionadas na superfície do solo ao longo do período experimental. As doses de DL, em cada ano agrícola, foram parceladas em quatro vezes, totalizando 40 aplicações de DL (10 anos de experimentação), a saber: a 1ª aplicação aos 15 dias após a semeadura (DAS) do milho; a 2ª aos 45 DAS; a 3ª aos 95 DAS e a 4ª aos 15 DAS da aveia.

Para a CS, foram realizadas dez aplicações durante o período experimental, sendo cada aplicação realizada, em média, 15 a 30 dias antes da semeadura do milho. Nos ciclos da aveia preta não foi realizada aplicação de CS. Em janeiro de 2003, em cada unidade experimental foi aberta uma trincheira, coletando-se amostras deformadas de solo nas camadas de 0,0-2,5; 2,5-5,0; 5,0-10,0; 10,0-20,0 e 20,0-40,0 cm, totalizando 3 repetições por tratamento. As amostras foram transportadas para o Laboratório de Análise de Solo, Água e Tecidos Vegetais do Departamento de Engenharia Rural da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde foram secas ao ar, destorroadas e passadas em peneira de 2,00 mm de malha. O carbono orgânico total (COT) do solo foi quantificado segundo a metodologia da EMBRAPA (1997).

O fracionamento químico da matéria orgânica (MOS) foi realizado conforme método descrito por Almeida et al. (2012), quantificando a matéria orgânica particulada (CMOPq), as substâncias não-húmicas (CHCl) e os teores de C nas frações líquidas no extrato das substâncias húmicas solúveis (CSHs) e no extrato de ácidos fúlvicos (CAF) foram determinados a segundo Dick et al. (1998). Os teores de C referente aos ácidos húmicos (CAH) e na fração humina (CHU) foram calculados a partir das equações 1 e 2, respectivamente. CAH = CSHs – CAF (Eq. 1) CHU = Ctotal – (CMOPq + CSHs + CHCl) (Eq. 2) Os estoques de C nas frações foram calculados pela equação 3 (Canellas et al., 2007): EC = [C] × L × d × 10 (Eq. 3) Onde: [C] = concentração de C em g kg-1; L = espessura da camada de solo, em metros; d = densidade da camada de solo, em Mg m-3. Os estoques de C nas frações químicas da MOS em cada camada foram submetidos a análise de variância e, quando os efeitos foram significativos, as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro.

Resultados e Discussão

O estoque de Ctotal no solo, de maneira geral, aumentou com as aplicações dos dejetos suínos até a camada de 10 cm, onde a partir dessa profundidade não foram encontradas diferenças com o solo SA (Tabela 1). A influência mais superficial dos dejetos no estoque de Ctotal está relacionada com as aplicações realizadas superficialmente e o não revolvimento do solo, o que promove o acúmulo de C na camada mais superficial. Além disso, as maiores doses de dejetos suínos (DL180 e CS180), ao aumentarem a produção de matéria seca de aveia e milho, contribuíram para a maior adição de C na superfície do solo, com a deposição dos resíduos vegetais ao final do ciclo (LOURENZI et al., 2011).

Os maiores incrementos no estoque de Ctotal foram observados no solo com DL180 até os 10 cm de profundidade. Enquanto que as aplicações de CS180 proveram apenas incrementos no estoque de Ctotal na camada mais superficial (0-2,5 cm). A diferença nos resultados entre o DL e CS pode estar relacionada à composição de cada material orgânico adicionado ao solo. A CS possui maior relação C/N, devido à presença da maravalha em sua composição, o que propicia uma mineralização mais lenta (GIACOMINI et al., 2008). Por outro lado, os DL apresentam maior proporção de compostos de menor peso molecular o que favorece sua mineralização, e principalmente migração no perfil do solo (PROVENZANO et al., 2014).

As aplicações de DL180 promoveram aumento no estoque de CAF até a camada de 5 cm, em comparação ao solo SA (Tabela 1). Por outro lado, as aplicações de CS90 e CS180 reduziram o estoque de CAF até a profundidade de 20 cm. Esta diferença pode estar relacionada à natureza dos adubos orgânicos aplicados. Como os DL não passam por nenhum processo de estabilização, há predominância de compostos mais lábeis e mais hidrofílico e, portanto, com menor estabilidade (PROVENZANO et a., 2014). Assim, a adição de doses elevadas de DL pode favorecer o aumento de CAF no solo. A adição de um material mais estável e em estado mais avançado de humificação, como a CS que passou pelo processo de compostagem, pode favorecer incremento de frações mais humificadas da MOS (ADANI et al., 2007).

Adicionalmente, a maior atividade microbiológica no solo com CS pode promover o consumo dos AF, reduzindo seu estoque (TEJADA et al., 2009). As aplicações de DL180 promoveram aumento do estoque de CAH até a profundidade de 10 cm e na camada de 20-40 cm, em relação ao solo SA (Tabela 1). As aplicações com DL90 apresentaram um efeito contrário, com diminuição do estoque de CAH na camada de 2,5-10 cm. Este resultado está de acordo aos obtidos por Plaza et al. (2002) que observou reduções nos teores de AH com doses mais baixas de adubação com DL. Os autores ressaltam que nestas condições, os AH menos humificados são mineralizados por oxidação microbiana permanecendo apenas os mais recalcitrantes, com estruturas fenólicas e grupamentos contendo enxofre (–S). As aplicações com CS não apresentaram diferenças no estoque de CAH em relação ao solo SA, até a profundidade de 20 cm. No entanto, na camada de 20-40 cm houve um acúmulo de AH no solo com CS90 e CS180.

Tabela 1. Estoque de carbono nas frações químicas da matéria orgânica em solo sem adubação (SA) e com adubação de 90 e 180 kg de N ha-1 na forma de dejeto líquido (DL90 e DL180) e cama sobreposta de suínos (CS90 e CS180).

Estes resultados podem indicar uma conversão da HU em HA, ou um processo de humificação mais lento nessa camada, devido ao estoque mais baixo de CHU encontrado na camada de 10-40 cm. Em contrapartida, as adubações com CS180 promoveram aumento no estoque de CHU na camada de 0-2,5 cm. No entanto, nas camadas subsequentes, de 2,5 a 10 cm, as aplicações de DL180 e CS90 foram as que promoveram incrementos. Ao que parece, o acúmulo de material orgânico na superfície do solo, principalmente com CS180, promoveu a formação de humina, enquanto que a aplicação de DL180, por sua natureza líquida, ao infiltrar mais no perfil do solo, contribuiu mais para a produção de compostos em maior estado de humificação.

Conclusões

O aumento do Ctotal foi favorecido nas camadas superficiais devido ao sistema de manejo conservacionista utilizado.  A diferença da composição entre os adubos orgânicos reflete no estoque das frações químicas da MOS em diferentes profundidades, devido a labilidade das mesmas.


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Agradecimentos

Ao Projeto Tecnologias Sociais para a Gestão da Água (TSGA II) pela disponibilidade de recursos e à Universidade Federal de Santa Catarina.

Referências

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Informações dos autores

¹Graduanda em Agronomia, Universidade Federal de Santa Catarina, Rod. Admar Gonzaga, 1346 – Itacorubi, Florianópolis – SC;

²Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas, Universidade Federal de Santa Catarina;

³Engenheiro Agrônomo;

4Professor titular, Universidade Federal de Santa Catarina.

Disponível em: Anais da XII Reunião Sul-Brasileira de Ciência do Solo. Xanxerê – SC, Brasil.

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