Recentemente, a Embrapa Trigo divulgou um vídeo no qual o pesquisador José Eloir Denardin, apresenta a questão dos principais erros cometidos na execução do Sistema Plantio Direto na Região Sul do Brasil. Seguindo essa linha, resolvemos conversar com alguns especialistas do setor para saber, no contexto das lavouras da região dos Cerrados, onde esses erros se fazem mais presentes. A referência são os três pilares indissociáveis à sustentação do sistema. Coube a Carlos Pitol, pesquisador autônomo, falar sobre rotação de culturas; Julio César Salton, pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, tratou do não revolvimento do solo, e Antonio Schneid, produtor rural, agrônomo e consultor, abordou a cobertura permanente do solo.

Há consenso em torno do fato de que o uso não eficiente do Plantio Direto, tal qual um sistema como é por definição, é sinônimo de perdas em múltiplas direções. Segundo Pitol, essas perdas acontecem em todos os aspectos que forem analisados: redução do potencial produtivo do solo com perda de produtividade; aumento dos problemas fitossanitários, como invasoras, pragas e doenças; degradação do solo, resultando em aumento da erosão e, consequentemente, assoreamento e poluição dos mananciais de água; aumento dos custos de produção com redução da lucratividade, e aumento das perdas de produção e dos riscos climáticos, principalmente, do efeito da enxurrada ou déficit hídrico.

Antonio Schneid lembra também que as falhas no emprego do SPD em sua plenitude representam perdas não só para a agricultura, mas também para a sociedade. Para ele, além das perdas diretamente relativas à qualidade do solo, há também a perda da qualidade dos alimentos por estarmos produzindo em cima de solos empobrecidos, o que pode se desdobrar em perdas ecológicas, seja por contaminação ambiental, como o comprometimento do lençol freático, assoreamento de rios, seja pelo uso indiscriminado de agroquímicos, que muitas vezes são requeridos em função desse empobrecimento. Então, para compensar a menor capacidade de produção, faz-se necessário investir cada vez mais em insumos para tentar manter os níveis produtivos.

Para Salton, o rol das formas diretas ou indiretas de se perder ao não valer-se do SPD em sua plenitude é extenso. No entanto, ele acredita que a perda por erosão pode ser considerada como a mais impactante. Ele explica que conter a erosão foi justamente a razão pela qual, nos idos dos anos 1970, alguns produtores iniciaram o SPD. A erosão traz consigo outras perdas inerentes ao solo que é arrastado contendo a parte rica de matéria orgânica e nutrientes. A água também não infiltra, acaba sendo perdida e faz falta, por exemplo, durante os veranicos que estão mais frequentes, acarretando perdas e frustrações parciais de safras, uma vez que se relaciona com a interrupção do ciclo hidrológico. Isso sem falar em questões com a biodiversidade de organismos, as questões climáticas e a mitigação das emissões de gases. O Sistema Plantio Direto em sua plenitude é um sequestrador de carbono e não emissor, servindo à sociedade como um todo.

“Nesse modelo falho, as culturas predominantes (soja e milho safrinha) estão cada vez mais dependentes do uso de insumos sejam adubos ou produtos como inseticidas, herbicidas, fungicidas, entre outros. Uma realidade que vem aumentando nos últimos anos de forma muito expressiva, trazendo junto um maior custo de produção e, consequentemente, menores margens para os produtores”, enfatiza.

Não revolvimento do solo

Para entender onde se erra no que diz respeito ao pilar do não revolvimento do solo, Salton explica que é necessário fazer um pequeno histórico de como chegamos à realidade de hoje, com muitos problemas de compactação e erosão de solo. Segundo o pesquisador, no contato com diversos produtores ao longo dos anos, o que se notava era que, dos três preceitos do SPD, o mais respeitado era justamente o do não revolvimento. O que faltava era diversificação de culturas/rotação de culturas e a cobertura permanente.

“Hoje vemos as consequências dessa adoção parcial do SPD. Temos muitos produtores tentando contornar os problemas de solos compactados e/ou erosão, causados diretamente pela falta de cobertura e de rotação de culturas. Para isso, voltam a recorrer a uma operação de movimento do solo, uma escarificação e, na maioria das vezes, essas decisões, inclusive com compra de equipamentos, envolvem operações de custo elevado e, o que é pior, feitas sem um diagnóstico técnico cuidadoso, baseado no que ouviu o vizinho falar. Infelizmente, isso reflete um caráter imediatista, que ainda é muito comum de se encontrar. O produtor que está familiarizado com o SPD sabe que os ganhos e os efeitos se dão com o tempo, não são instantâneos. A fertilidade do solo é uma construção de anos. Não há uma solução imediata e pensar que um revolvimento esporádico ou uma escarificação vai resolver é lamentável, mas não vai acontecer; muito provavelmente vai piorar a situação pelo fato de ter deixado as condições do solo chegarem a tal ponto. Resultado direto do monocultivo e da redução da entrada de carbono no sistema com pouca palha e muito poucas raízes. Não há um remédio imediato. É, por exemplo, como se eu estivesse com problema de sobrepeso e achar que tomando um remédio iria acordar magrinho. Infelizmente, não existe outra solução que não seja malhar durante muito tempo. É assim também com o SPD”.

Na prática, para mudar esse quadro é necessário, antes de mais nada, fazer um diagnóstico correto da qualidade do solo para ver quais são os problemas que realmente estão ali. Por exemplo, se há problema de compactação ou se é apenas químico ou se tem problema de falta de atividade biológica no solo. “Hoje nós dispomos de ferramentas boas que estão em recentes lançamentos de metodologias que são muito práticas e que permitem ao produtor o seu técnico fazer diagnóstico de uma forma precisa. E, aí sim, tomar uma decisão com base que realmente tem nas parcelas de sua propriedade”.

Salton cita como exemplo para tratar do aspecto físico do solo, o uso do diagnóstico rápido da estrutura do solo (DRES), “um método visual simples, que um técnico capacitado pode aplicar e terá uma resposta muito boa e muita segurança. Já para a parte biológica, temos hoje a análise da atividade de algumas enzimas no solo e já há laboratórios começando a fazer isso. Em pouco tempo para vai se disseminar para todas as regiões e também nos proporcionar informações que podem realmente fazer esse diagnóstico de forma segura. A atividade biológica vida do solo é o que determina o negócio”, conclui.

Cobertura permanente do solo

Como se trata de um sistema – o Sistema Plantio Direto –, tudo funciona de forma interligada. A falta de cobertura permanente do solo e todos os seus benefícios são inviabilizados porque, para se chegar à palhada, é preciso antes ter as culturas que produzem essa cobertura. Como, porém, a rotação de culturas é deixada de lado na composição do binômio soja/milho safrinha, não há produção de palhada em quantidade e qualidade suficientes cobrir o solo o ano inteiro.

Segundo Schneid, como o Centro-Oeste possui um clima com extremos de temperaturas e uma distribuição de chuvas que é periódica, muitas vezes opta-se por fazer uma monocultura ou, no máximo, uma sucessão de soja e milho safrinha. “Neste caso, a produção de palhada de coberturas não propicia uma cobertura ideal no solo o ano inteiro. O balanço também não é positivo na produção das palhaçadas uma vez que a queima da matéria orgânica e a liberação de CO² para a natureza é muito intensa em função das altas temperaturas regionais e, muitas vezes, pela unidade. Isso ajuda no efeito estufa e causa empobrecimento do solo. Basicamente, essa é a dinâmica”.

Para corrigir essas falhas, segundo Schneid, o primeiro passo seria mudar um pouco a forma com a agricultura é praticada, “utilizar uma agricultura com mais rotação de culturas; uso de cobertura intercalar no milho safrinha, com a utilização de braquiárias, guandu e crotalária; usar um mix de cobertura nas áreas de pousio, que muitas vezes ficam à deriva, somando duas, três ou mais espécies de cobertura, gerando um maior volume de produção de massa e, portanto, de cobertura no solo além de criar uma diversidade de biota no solo, que vai favorecer esse processo. Também é importante usar sistemas de integração agricultura e  pecuária e de lavoura, pecuária e floresta como meios de produção com mais sustentabilidade econômica, ambiental, social e tecnológica”.

“Essas atitudes farão com que os produtores mudem a realidade da nossa agricultura, que é muito extrativa e causa degradação, para um sistema chamado regenerativo-conservacionista e com manutenção das produções, com o aumento da matéria orgânica nesses sistemas, conservação e preservação dos solos, tanto em fertilidade como diminuindo os arrastes por erosão, elevando a retenção de água no solo, aumentando a reciclagem nutricional e, consequentemente, o menor uso de insumos. Eu acredito que o uso de remineralizadores, de compostagem e de biológicos associados a esse novo modelo de agricultura nós poderemos chegar a resultados conservando ou aumentando produção, conservando e qualificando os solos e diminuindo o custo para o produtor e, consequentemente, aumentando o resultado. Acredito que essas atitudes estão passíveis de serem utilizadas, estão no nosso meio, são experimentados e nós temos hoje no Brasil um grupo que chama-se GAAS (Grupo de Agricultura Alternativa Sustentável) que já faz isso muito bem feito, com resultados muito interessantes e que, pela troca de informação entre as pessoas sejam técnicos, produtores e extensionistas, temos avançado muito em tentar mudar um pouco o modelo de agricultura que nós fazemos hoje. Para mim basicamente o contexto está em cima disso”, enfatiza.

Rotação de culturas

No que diz respeito ao pilar da rotação de culturas, Pitol contextualiza explicando que, “o aumento da área cultivada com o binômio soja-milho safrinha, que nada mais é do que a sucessão de duas monoculturas, fez cair expressivamente a rotação de culturas na nossa agricultura, implicando no aumento dos problemas derivados do sistema agrícola praticado. O binômio soja/milho safrinha induziu ao esquecimento de toda a importância da prática da rotação de culturas na produção agrícola e de seus inumeráveis benefícios agronômicos, resultando principalmente na insuficiência de palha, aumento dos problemas fitossanitários e da erosão do solo”.

Mas, de acordo com Pitol, estão surgindo indicativos de uma retomada da rotação de culturas, com alguns avanços em relação à forma de uso desta prática, principalmente no que diz respeito ao uso do consórcio e do mix de culturas. Segundo ele, alguns prejuízos da falta de rotação foram atenuados pelo uso dos consórcios de pastagens perenes com milho safrinha e a Integração Lavoura-Pecuária (ILP).

“Felizmente, estamos assistindo hoje uma forte retomada do uso da rotação de culturas em função da sua importância na produção agrícola, principalmente em relação aos princípios e benefícios propiciados para a prática de uma agricultura sustentável”, diz.

Ainda segundo ele, dentro do contexto da rotação de culturas também está inserido o uso das culturas de cobertura de solo, a diversificação de atividades em que a ILP se destaca; a bioativação do solo que engloba vários itens como o uso de microrganismos, bioativadores viabilização e uso da compostagem e os manejos afins.

“Neste sentido, a conscientização e a difusão dos conhecimentos de uma forma organizada, é aspecto a ser trabalhado. Nesta fase de retomada da rotação de cultura e coberturas de solo, a disponibilidade de sementes e o seu custo são itens limitantes, mas que vão sendo superados conforme a prática cresce. A integração da rotação de culturas coberturas de solo, uso de microrganismos, uso de insumos naturais, como: compostagem remineralizadores, fosfatos naturais e silicatos de potássio possibilitam o desenvolvimento de sistemas de produção diversificados e viáveis, dentro da visão da agricultura sustentável”, afirma o pesquisador.

Fonte: Disponível no Portal da FEBRAPDP – Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação

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