No próximo dia 6 de junho será encerrada a Consulta Pública 613/2019 da Anvisa sobre a manutenção do ingrediente ativo glifosato em produtos agrotóxicos. Através da consulta pública, a sociedade brasileira como um todo está sendo chamada a contribuir no que constará na proposta da Resolução de Diretoria Colegiada – RDC que trata de aspectos do ingrediente ativo de agrotóxico mais vendido no Brasil. Uma ótima oportunidade para os produtores rurais manifestarem-se oficialmente, apresentarem seu ponto de vista e dizerem o que pensam a respeito desta questão, fonte de muita polêmica.
A consulta serve exatamente para que a sociedade avalie o texto da RDC (leia-o aqui na íntegra) e apresente argumentos, justificativas ou evidências que possam promover a melhoria do texto da minuta proposta. Essa contribuição é dada através das respostas a um questionário e o preenchimento de campos para comentários e sugestões de todos. Como parte diretamente interessada no assunto, os produtores devem valer-se dessa oportunidade para manifestar seu ponto de vista. Participar é importante e pode ser feito pela internet através do link http://portal.anvisa.gov.br/consultas-publicas#/visualizar/391760.
Justificativa da Consulta Pública
O preâmbulo a seguir está na página do questionário e explica o contexto envolvido e os objetivos da consulta pública:
O Glifosato foi reavaliado pela Anvisa e concluiu-se que não há evidências suficientes que comprovem que o Glifosato é responsável por causar mutações, câncer, malformação congênita, interferir no funcionamento dos hormônios, provocar danos ao sistema reprodutor ou ser mais perigoso para o homem do que foi verificado nos estudos realizados em animais.
A Anvisa também concluiu que os riscos relacionados a ingestão de Glifosato que, eventualmente, esteja contaminando os alimentos e a água, está abaixo do nível de preocupação. Isso significa que, segundo os sistemas de vigilância de alimentos e água que a Anvisa utiliza para monitorar o risco dietético, os alimentos e a água pra consumo humano não apresentam resíduos de Glifosato em valores acima do que se considera risco para as pessoas.
Isso não significa que o produto não causa nenhum dano aos seres humanos. Há centenas de notificações de intoxicação aguda por Glifosato registradas no Brasil. Além disso, a exposição ao Glifosato acima dos limites de segurança pode ocorrer em algumas situações relacionadas a atividade agrícola. Portanto, os trabalhadores rurais que manuseiam o Glifosato ou que trabalham em lavouras onde se utiliza o Glifosato, bem como os moradores de locais próximos a áreas onde o Glifosato é aplicado, podem ser expostos acima de limites considerados seguros.
Baseado nestes estudos de avaliação de risco de trabalhadores rurais e moradores da zona rural, a Anvisa propõe uma Resolução com várias medidas de prevenção e controle para eliminar ou reduzir os riscos a esta população para que não haja exposição ao Glifosato acima dos limites considerados seguros pela Anvisa.
Além disso, a Anvisa propõe limitar a concentração de um componente específico dos produtos pronto para uso, a POEA, para que não haja risco ao consumidor em decorrência da exposição a esse componente mediante a ingestão de seus resíduos.
O que está sendo proposto no RDC
Para trabalhadores rurais e população do entorno das lavouras
- Proibição de formulações do tipo EW (emulsão óleo em água) para reduzir possibilidade de inalação e absorção pela pele.
- Rodízio de trabalhadores nas atividades de aplicação com trator (mistura, abastecimento e aplicação), ou seja, o mesmo trabalhador não pode fazer todas as etapas de preparação para aplicação.
- Equipamento de proteção individual (EPI) e carência para reentrada do trabalhador em áreas tratadas.
- Adoção de tecnologia para redução de dispersão (deriva).
- Faixa de segurança de 10 metros na lavoura quando houver povoações a 500 metros de distância.
- Definição do limite da exposição e tolerância para o trabalhador rural.
Para uso urbano e consumidores de alimentos
- Ajuste dos limites de tolerância para exposição crônica.
- Definição de limite para exposição aguda.
- Proibição do produto concentrado para jardinagem amadora.
- Proibição da POEA (polioxietilenoamina) em concentração acima de 20% nos produtos formulados à base de glifosato.
Mecanismo salutar
Ricardo Ralisch, professor da Universidade Estadual de Londrina e diretor da Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação (FEBRAPDP), afirma ser fundamental que o setor se manifeste para que seja atendido em suas demandas. “Creio que o mecanismo de consulta pública é uma prática salutar para envolver o grande público no debate de grandes temas, ou temas de interesse geral. Como a consulta é pública, todos podem se manifestar, mas aos produtores se solicita empenho na manifestação, pois se trata de tema que interfere na sua atividade. É importante se ter sempre em mente que regulamentar o uso de algum defensivo não significa induzir ao seu uso, mas sim poder empregá-lo de forma adequada quando for o caso. Se outras formas alternativas forem possíveis de serem empregadas, nos parece claro que esta será adotada preferencialmente. Ter uma possibilidade química disponível permite, inclusive, buscar tais alternativas com mais segurança, como remédio”, diz.
Ralisch destaca, porém, que é preciso cautela quando se trata de assuntos técnicos, pois para tais, o argumento técnico deve ser priorizado. “De qualquer forma me parece importante regulamentar a prática de uso e aplicação de defensivos agrícolas, devido ao impacto potencial desta prática. A proposta contém aspectos positivos, como o reconhecimento de que o glifosato é um defensivo eficiente para uso nas atividades agrícolas e como tal deve ser tratado. Isto significa estabelecer normas de emprego que minimizem os riscos de contaminação do ambiente e das pessoas. No entanto, em alguns aspectos, a proposta parece ser rigorosa em excesso, como nas faixas de bordadura e de proximidade de residências, o que poderá acarretar uma reinfestação das áreas agrícolas com mato, o que acabará por induzir ao emprego de defensivos mais agressivos ou de forma não regular, visto que esta fiscalização é muito difícil”, analisa.
Opiniões
Leandro Wildner, pesquisador da Epagri, acha que é muito oportuna a participação da classe produtora na consulta pública, mas desde que não seja dirigida ou direcionada pelas empresas e/ou patrões. Não é fácil ir em público e colocar a sua opinião, em especial, se não é a favor do sistema; o agricultor poderá sofrer retaliações. Mesmo assim, é uma oportunidade para que os diretamente envolvidos, desde que bem esclarecidos, têm para registrar a sua opinião.
Ele chama a atenção para o fato de que “estamos trabalhando com substâncias tóxicas. Para tanto, deve-se tomar todo o tipo de precauções para evitar consequências além daquelas que são o objetivo da aplicação: controle de pragas, doenças ou plantas daninhas. Nos países desenvolvidos (em especial nos Estados Unidos) a legislação é rigorosa. Todos os envolvidos na aplicação desse tipo de produto, em primeiro lugar, devem passar por cursos que habilitam os aplicadores a tarefa da aplicação. Até para operador de trator é necessário fazer um curso oficial e passar por reciclagem periodicamente”, lembra.
Oportunidade
Segundo, Manoel Henrique Pereira Junior, agricultor e membro do Conselho da FEBRAPDP, o produtor brasileiro deve estar mais inteirado dos assuntos da mídia e não perder as oportunidades de se manifestar. “Ele não pode ficar alheio ao que acontece e deve participar dando a sua opinião. Neste caso da consulta pública da Anvisa com relação ao glifosato, o produtor deve ser manifestar e ajudar a ele mesmo. Não pode ficar esperando que alguém faça alguma coisa por ele. É um momento de união tanto nas questões políticas, econômicas e técnicas como é o caso do glifosato. A FEBRAPDP está à disposição do agricultor para, junto com ele e de mãos dadas, atingirem o nosso objetivo comum. É muito importante a união e a participação do produtor nessas horas, ainda mais porque ele tem a facilidade dos instrumentos da mídia e da informática nesse mundo ágil e globalizado. Nunca a oportunidade do produtor ser ouvido foi tão grande.
Ânimos acirrados
Para Daniel Rosenthal, presidente do Sindicato Rural Patronal de Rolândia/PR e vice- presidente da FEBRAPDP/PR, atualmente a relação entre o consumidor urbano e o produtor rural parece um casamento que não deu certo. E questiona: “será que o consumidor sabe do tamanho e da complexidade que é produzir alimentos? Por outro lado, será que hoje o produtor rural sabe dos anseios do consumidor que irá consumir seus produtos?”.
Esse contexto, mostra que é imprescindível que o produtor participe deste tipo de audiência pública a fim de que o diálogo predomine nessas discussões. “Só assim, ao final, poderemos provar que o que produzimos é saudável e seguro e que se existem problemas de saúde na população, estes não são causados pelos produtores rurais. Espero que no final dessa ou em qualquer outra audiência pública que trate desse tema a ciência seja a dona da razão, para que assim o casamento de consumidor x produtor volte a ter um relacionamento harmonioso”, conclui.
Também na condição de engenheiro agrônomo e produtor rural, Rosenthal chama a atenção para a “diversidade de doenças e pragas existentes na natureza, o que torna imprescindível o uso de defensivos agrícolas e estes, para serem comercializados, passam por processos rigorosíssimos para serem liberados para o comércio. Então, a questão não é proibir um produto que poderá vir a ser inalado ou absorvido pela pele. Qualquer produto se não manuseado de forma correta causa dano aos seres vivos e a biodiversidade. Façamos uma analogia entre os defensivos agrícolas e os medicamentos para os humanos. Ambos, para serem consumidos necessitam do receituário agronômico ou médico que deve ser seguido rigorosamente, pois quem os prescreveu esta capacitado para isso e; ninguém faz alterações por conta própria, se o fizer corre os riscos e sofrerá as consequências”.
“Acredito que a Anvisa e tantos outros órgãos estão bem intencionados e preocupados com a saúde da população. Porém ações como estas propostas para a audiência pública sem ouvir todos os atores envolvidos e seus argumentos com dados de pesquisa não trará os resultados esperados. Um maior diálogo é imprescindível, principalmente nesse período atual, onde os ânimos políticos estão bastante acirrados”, observa Rosenthal.
Fonte: Redação FEBRAPDP – Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação