A cultura da soja é acometida por diversas espécies de lepidópteros ao longo do seu ciclo, que danificam tanto estruturas vegetativas quanto reprodutivas. Na semana passada, abordamos em detalhes a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), as lagartas-falsas-medideiras (Chrysodeixis includens e Rachiplusia nu) e a lagarta-helicoverpa (Helicoverpa armigera), que causaram grande impacto na cultura nas décadas de 1990, 2000 e 2010, respectivamente. Cada uma dessas espécies apresenta particularidades biológicas que influenciam diretamente no seu potencial de dano à cultura, conforme demonstrado na tabela abaixo.
Tabela 1. Espécies de lagartas da soja, duração das fases biológicas e consumo foliar médio.
Na década de 2010, as lagartas do gênero Spodoptera (também conhecidas como lagartas-pretas) adquiriram maior relevância na cultura da soja, superando a lagarta-da-soja e as falsas-medideiras em importância. Esse aumento na ocorrência das lagartas-pretas está relacionado à introdução da soja Bt, que não proporciona um controle efetivo dessas espécies. Por serem pragas altamente polífagas, também beneficiam-se da sucessão soja-milho, alternadas entre primeiro e segundo cultivo de verão.
Dentre as espécies pertencentes a esse gênero, Spodoptera cosmioides e Spodoptera eridania foram mais importantes na década de 2010, enquanto Spodoptera frugiperda tem aumentado sua relevância nos últimos anos. Um agravante das espécies do gênero Spodoptera é a possibilidade de atacar estruturas reprodutivas da soja, como flores e legumes. Tal como no caso da Helicoverpa armigera, essa característica aumenta sobremaneira o potencial de dano da praga e exige um monitoramento mais rigoroso na fase reprodutiva da cultura.
Diferenciando as espécies
Os adultos de Spodoptera cosmioides são mariposas com 40 mm de envergadura e coloração cinza ou marrom. As asas anteriores são “mosqueadas” longitudinalmente por riscos brancos, margeadas por uma franja. As asas posteriores são de cor branco-pérola com franjas. A fêmea deposita seus ovos em camadas sobre as folhas da soja. As massas de ovos são de coloração verde, tornando-se marrons próximos à eclosão. As lagartas são verdes quando recém-eclodidas e pretas quando completamente desenvolvidas. Nos últimos ínstares, medem de 35 a 40 mm e apresentam três listras alaranjadas (uma dorsal e duas laterais) com pontuações brancas. Também apresentam uma faixa mais escura entre o terceiro par de pernas torácicas e o primeiro par de falsas pernas abdominais. A transformação em pupa ocorre no solo e tem coloração marrom.
Os adultos de Spodoptera eridania também medem 40 mm de envergadura e possuem coloração cinza-escura. Apresentam uma mancha preta na parte central nas asas anteriores, enquanto as asas posteriores são de cor branca. A fêmea coloca os ovos sob as folhas da soja, recobrindo-os com escamas do corpo. Os ovos são inicialmente verdes, evoluindo para marrom próximos à eclosão. As lagartas apresentam coloração esverdeada durante todo o seu desenvolvimento. Apresentam quatro pontos escuros sobre o dorso, na parte mediana do corpo. Quando completamente desenvolvidas, medem de 35 a 50 mm e possuem três listras longitudinais amareladas, com cerca de 20 triângulos pretos na parte dorsal do corpo. A transformação em pupa ocorre a poucos centímetros da superfície e tem coloração marrom-escura.
Por fim, os adultos de Spodoptera frugiperda medem 35 mm de envergadura e têm coloração cinza-escura. As asas anteriores são “mosqueadas” e as posteriores são branco-translúcidas, com bordas cinzas. A fêmea faz a postura sob as folhas da soja em duas ou três camadas de ovos, recobrindo a última com escamas do seu abdome. As massas de ovos são irregulares e de coloração verde, tornando-se marrons antes da eclosão. As lagartas pequenas são verde-claras com pelos pretos, adquirindo tons mais escuros conforme crescem. Quando completamente desenvolvidas, medem 35 a 40 mm e apresentam uma linha mediana longitudinal de cor marrom, entre duas linhas laterais mais claras. Outro aspecto característico é a cápsula cefálica com sutura em forma de “Y” invertido. A transformação em pupa ocorre no solo e tem coloração marrom brilhante.
Figura 1. Características morfológicas das lagartas do gênero Spodoptera.
Estratégias de controle
As práticas de manejo para a maioria das lagartas da soja envolvem o uso combinado de plantas transgênicas e inseticidas. O Brasil foi o primeiro país a adotar a biotecnologia de soja MON87701 x MON 89788 (Intacta RR2 PRO) no ano de 2013, que expressa a proteína Bt Cry1Ac, tendo como principais alvos de controle: a lagarta da-soja (Anticarsia gemmatalis), a lagarta-falsa-medideira (Chrysodeixis includens), a lagarta-das-maçãs (Chloridae virescens) e a broca-dos-ponteiros (Crocidosema aporema). Atualmente, as plantas que expressam a proteína Cry1Ac apresentam uma adoção de 80% da área cultivada com soja no país.
Embora a soja com tecnologia MON87701 x MON 89788 também ofereça proteção contra Rachiplusia nu, recentemente foram detectadas injúrias dessa espécie em soja Intacta RR2 PRO. Essa redução na suscetibilidade à proteína Cry1Ac pode estar ligada à baixa adoção das áreas de refúgio, estratégia que objetiva manter os indivíduos suscetíveis na população da praga. Dessa forma, aumenta a importância de uma amostragem criteriosa de pragas nas áreas de cultivo de soja, possibilitando maior assertividade nas tomadas de decisão. Caso os níveis de controle preconizados sejam atingidos, deve ser realizada a aplicação de inseticidas.
Dentre os ingredientes ativos registrados no Brasil para o controle de lagartas desfolhadoras, merecem destaque as diamidas antranílicas, como clorantraniliprole e ciantraniliprole, devido à sua alta eficiência de controle e seletividade. Existem formulações disponíveis tanto para aplicação foliar quanto via tratamento de sementes, em soja, milho e outras culturas. Para saber mais, acesse o sistema Agrofit, clicando aqui.
Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.
Referências:
AGROFIT. Consulta de Produtos Fitossanitários. MAPA, 2023. Disponível em: <http://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons>
GUEDES, J. C.; POZEBON, H.; ARNEMANN, J. A.; RUTHES, E.; PERINI, C. R. Pragas da Soja. Em: ROMERO, J. C. P. (Ed.) Manual de Entomologia Volume 1: Pragas das Culturas. 1ª Edição, 477 p. Editora Agronômica Ceres, Ouro Fino – MG, 2022.
HORIKOSHI, R. J.; BERNARDI, O.; GODOY, D. N. et al. Resistance status of lepidopteran soybean pests following large-scale use of MON 87701 × MON 89788 soybean in Brazil. Scientific Reports, Londres, v. 11, n. 1, p. 1-15, out. 2021.