A singularidade de cada safra, impulsionada pela ocorrência imprevisível de eventos climáticos e surtos de pragas e doenças, aliada à ampla rede de comunicação e acesso a informações atualmente disponíveis, pode transformar problemas aparentemente simples em situações catastróficas. A partilha de imagens e relatos sem a devida contextualização pode distorcer completamente o cenário e alterar a compreensão real do problema. Um exemplo relevante, de acordo com Castro et al. (2022), é a questão da mancha aureolada.
A mancha aureolada é caracterizada pela formação de pontuações ou manchas circulares nas folhas, apresentando uma coloração amarelada que pode se unir formando lesões maiores. Esses sintomas frequentemente levam a suspeitas de ocorrência de doenças, fitotoxicidade causada pelo uso de insumos agrícolas, deriva de herbicidas e até mesmo deficiência nutricional. Castro et al. (2022) destacam que tais sintomas não são novos e vêm sendo observados em diferentes ambientes de produção agrícola no Brasil por pelo menos 15 anos. Conforme Costamilan (2003), muitas doenças podem causar manchas foliares na soja, e quando erroneamente identificadas podem levar à adoção de medidas ineficazes e gastos desnecessários.
Figura 1. Variação na evolução dos sintomas de mancha aureolada na soja.
Yorinori (2012) afirma que a mancha aureolada pode ser confundida com a mancha-alvo, e uma das formas de identificar é acompanhar a evolução das manchas nos diferentes estádios. A mancha aureolada possui uma mancha escura no centro, porém, diferente da mancha-alvo, crescendo de 3 a 4 mm, ao redor desse ponto ocorre uma mancha de coloração castanho claro a escuro. De acordo com a pesquisa realizada por Castro et al. (2022), esse tipo de mancha vem ocorrendo há um bom tempo na cultura da soja, em diversas regiões de produção, com maior frequência em lavouras que apresentam elevado potencial de produção. Os sintomas ocorrem geralmente nas folhas de ramos secundários com pouco desenvolvimento, como se fosse um ramo ladrão, e principalmente em ramos do terço inferior das plantas. Por se tratar de sintomas semelhantes a mancha-alvo (Corynespora casiicola), o problema foi estudado por instituições de pesquisa e universidade, buscando encontrar um possível patógeno causador desses sintomas. Foram realizados isolamentos, no entanto, não foram encontrados fungos, vírus ou bactérias associadas aos sintomas.
Figura 2. Plantas de soja com sintomas de mancha aureolada, observadas em duas regiões edafoclimáticas distintas: Palotina-PR (A) e Londrina-PR (B).
O objetivo desse estudo foi investigar as possíveis correlações entre os sintomas característicos das manchas nas folhas da soja e sua nutrição mineral, visando oferecer suporte e orientações precisas a técnicos e produtores quanto à relevância e ao impacto dessas manchas na produção da cultura da soja. Para isso, foram coletados ao longo de várias safras em diferentes regiões agrícolas, uma grande quantidade de amostras de folhas, plantas inteiras, vagens, grãos e solo, com intuito de identificar as amostras e compreender essa anomalia.
As folhas com sintomas foram coletadas aleatoriamente na lavoura, englobando tanto plantas com sintomas quanto plantas sem sintomas. Os grãos foram coletados de vagens das axilas das folhas com sintomas em hastes secundárias e sem sintomas nas hastes desenvolvidas nas mesmas plantas e na mesma altura e posição de desenvolvimento. O solo foi coletado de áreas com ocorrência de plantas com sintomas. Essa estratégia foi adotada visando isolar os efeitos e compreender melhor o problema, buscando possíveis explicações e a fim de orientar ações para futuras pesquisas.
Os resultados obtidos com a pesquisa mostraram que quimicamente, as folhas com sintomas apresentaram diferenças básicas em relação as folhas sem sintomas. Foi observado que as folhas com sintomas se caracterizavam pelo baixo teor de cálcio (Ca) e elevado teor de potássio (K).
Mancha aureolada = ƒ (↓Ca e ↑K)
Tabela 1. Concentrações de nutrientes em folhas de soja SEM e COM sintoma da mancha aureolada, coletadas em diferentes estádios reprodutivos e safras, em sete regiões edafoclimáticas do Brasil.
Com base nos resultados da pesquisa, os autores concluíram que, embora a anomalia seja amplamente distribuída nas principais regiões produtoras de soja do país, ela está restrita a poucas folhas, de menor tamanho e apenas em algumas plantas. Não foram observadas perdas de produtividade relacionadas à ocorrência dessa anomalia, no entanto, folhas com mancha aureolada apresentam um equilíbrio nos teores de cálcio e potássio. Apesar do desequilíbrio nutricional de Cálcio e Potássio associados aos sintomas de ocorrência de mancha aureolada na soja, apesar disso, a anomalia não se enquadra como sendo um problema nutricional evidente, destacando a importância da realização de novos estudos e investigações para melhor explicar esse fenômeno.
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Veja mais: Mancha-alvo (Corynespora cassiicola) na Soja
Referências:
CASTRO, C.; OLIVEIRA, F. A.; OLIVEIRA JUNIO, A.; FIRMINO, R. F. MANCHA AUREOLADA DA SOJA: DOENÇA OU UM DESEQUILÍBRIO NUTRICIONAL? Embrapa, Comunicado Técnico 103, Londrina – PR, 2022. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/doc/1144141/1/Com-Tec-103.pdf >, acesso em: 20/07/2023.
COSTAMILAN, L. M. MANCHAS FOLIARES MAIS COMUNS EM SOJA. Embrapa, Circular Técnica 12, Passo Fundo – RS, 2003. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/121371/1/FL-07389.pdf >, acesso em: 20/07/2023.
YORINORI, J. T. ANOMALIA CAUSA CONFUSÃO NAS LAVOURAS DE SOJA DO CERRADO. Jornal Dia de Campo, 2012. Disponível em: < http://diadecampo.com.br/zpublisher/materias/Materia.asp?id=26343&secao=Pacotes%2#:~:text=Anomalia%20causa%20confus%C3%A3o%20nas%20lavouras,Cerrado%20%2D%20Jornal%20Dia%20de%20Campo&text=Parecidas%20com%20a%20mancha%20alvo,do%20uso%20desnecess%C3%A1rio%20de%20fungicidas. >, acesso em: 20/07/2023.
Redação: Vívian Oliveira Costa, Eng. Agrônoma pela Universidade Federal de Santa Maria.
