Para que ocorra o estabelecimento de uma doença, é necessária a interação de três fatores fundamentais, conhecidos como “triângulo da doença”: o hospedeiro, o patógeno e o ambiente.
O Phakopsora pachyrhizi é um fungo biotrofico, ou seja, é essencialmente parasitas obrigatório, e seu ciclo de vida ocorre sobre a planta viva (Forcelini, 2010). Conforme destacado por Madalosso (2019), a presença de soja na entressafra, também conhecida como “soja guaxa”, atua como uma ponte verde que possibilita a sobrevivência do fungo. Durante o período de entressafra, essa ponte verde pode servir como hospedeira para ferrugem da soja, assim como para outras doenças, isso por sua vez, contribui para o potencial aumento da severidade das doenças na safra seguinte.
A presença de água livre na superfície da folha, é essencial para que ocorra o processo de infecção, sendo necessário no mínimo seis horas de molhamento foliar, com um máximo de infecção ocorrendo com 10 a 12 horas, e a temperatura ideal está situadas na faixa de 18° a 26,5° C (Henning et al., 2014).
De acordo com informações do Consórcio Antiferrugem (2023), até o momento já foram identificados casos de ferrugem em soja voluntária em diversos estados, incluindo Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, além de duas ocorrências de ferrugem-asiática no estado do Tocantins. No Rio Grande do Sul, a presença de ferrugem em soja voluntária, foi constatada em 11 municípios, sendo eles: Cruz Alta, Erechim, Guaíba, Mato Castelhano, Não-me-Toque, Rio Pardo, Santa Bárbara do Sul, Santiago, São Sepé, Serafina Corrêa e Tupanciretã.
Não apenas ferrugem preocupa produtores, mas oídio, manchas, mofo-branco são afetadas e impactadas pelo triangulo mencionado no inicio do texto. Todas estas doenças são influenciadas de uma ou outra maneira pelo clima e também pela presença nas lavouras de soja guacha, o que pode elevar a quantidade de inóculo inicial e iniciar uma infecção de maneira antecipada.
Para saber mais sobre o manejo de doenças para esta próxima safra na região sul, conversamos com o Prof. Dr. Marcelo Madalosso, Engenheiro Agrônomo, Dr. em Agronomia: Fitopatologia e Tecnologia de Aplicação de Fungicidas (UFSM). Professor e Pesquisador na Universidade Regional Integrada, Campus Santiago e Santo Ângelo. Diretor da Madalosso Pesquisas. Ele que é palestrante, participa do desenvolvimento de Fungicidas e Tecnologias de Aplicação. Também é autor de bibliografias na área e revisor.
Confira a entrevista e as dicas do pesquisador:
Equipe Mais Soja: Na safra 23/24 teremos um cenário climático diferente dos anos anteriores, com maiores precipitações projetadas para a região sul do Brasil e consequentemente uma pressão maior de doenças. Como está o cenário neste momento?
Dr. Marcelo Madalosso: Nós estamos entrando para uma safra de soja com uma perspectiva de El Niño, estamos vendo isso inclusive já no inverno. As temperaturas mais altas e precipitações mais frequentes e, às vezes com volumes maiores.
Isso começa a complicar pelo seguinte. Primeiro, o produtor que vai plantar soja no cedo não está conseguindo, (alguma que outra área que conseguiu plantar), então isso já está empurrando um pouquinho o plantio para frente do normal. Outro caso também é o produtor que está tentando colher o trigo, e a chuva não está deixando, com isso ele também vai empurrar o plantio para frente, por obrigação.
Então, esse plantio, mais para a frente, somado a uma semente de soja, salva dos outros anos (que conseguiu escapar da seca), ou seja, uma cultivar de ciclo médio, médio-longo, com isso a gente já tem um pacote bem complicado, semear a soja mais tarde com cultivares de ciclo maior, pontos esses que são perfeitos para a ocorrência de ferrugem. Este seria um cenário somente do ponto de vista de plantas. Quando a gente olha do ponto de vista de patógeno, aí nós já temos um “hospital” dentro do campo.
Equipe Mais Soja: Estamos recebendo muitos relatos de soja guaxa ainda presente no campo, infectadas com diferentes patógenos, o senhor tem visto estas plantas no campo? É um cenário preocupante?
Dr. Marcelo Madalosso: Neste último ano, no estado não tivemos muita ocorrência geada, tivemos poucos períodos de frio que não foram suficientes para matar as plantas de soja que ficaram no campo, essas plantas estavam no meio da canola, do trigo, do pousio, da pastagem, muito contaminadas com ferrugem, já detectamos isso no campo. Temos uma parceria com a Emater que também e faz coleta de esporos e faz a leitura. Temos presenças de esporos no ar.
É um cenário preocupante pois esta soja já está hospedando ferrugem, e um ponto importante, essa ferrugem que está na soja guaxa, ela possivelmente é “a mesma”, do ano passado, ou seja, a ferrugem do ano passado que sofreu bastante, teve bastante aplicações em cima dela, especialmente na safrinha, é uma doença que não foi embora, ficou na soja guaxa, e já tem algum processo de seleção acontecendo na vida dela. Em função das aplicações que foram feitas.
EMS: Qual impacto disto na pressão de doenças da safra que está começando a ser semeada e quais doenças podem impactar a produtividade?
Madalosso: Como falamos, esse processo natural de seleção é um problema do ponto de vista da resistência da ferrugem aos fungicidas. Então esse é o inóculo local e ele está bastante afetado.
Ligado também a questão do El Niño, que favorece uma movimentação maior dos ventos alísios, ou seja, uma movimentação decorrente de ar e umidade que vem Bolívia, para o Paraguai e depois no Rio Grande do Sul, com isso temos inóculo também vindo de fora.
Hoje a Bolívia está terminando a semeadura da primeira safra deles lá, e já tem relatos de ferrugem-asiática em áreas comerciais, por isso, provavelmente teremos uma pressão muito forte desta doença nesta safra aqui no Rio Grande do Sul.
Outra doença também que já conseguimos identificar nestas plantas de soja guaxa, é o oídio, então o produtor, que tem suas áreas em uma região um pouquinho mais alta, vai também ter um impacto de oídio também. Vamos ter bastante Cercosporiose e Septoriose, que é o que está sendo identificado bastante nessas plantas remanescentes no campo. Então como falamos anteriormente essas plantas estão movimentando doença e isso logicamente vai afetar nossos manejos
EMS: Quais dicas de manejo, quais cuidados o agricultor tem que ter? No manejo, o que o produtor não deve abrir mão nesta próxima safra?
Madalosso: Falando de manejos hoje para o agricultor pensar no mínimo, o que que ele vai fazer com os fungicidas? A primeira coisa que tem que pensar é se a área tem palha ou não.
Uma área sem palha é uma área onde vai ter muito respingo de chuva e assim vai ter ocorrência de mancha folhar, muito cedo. Então esse produtor que não tem palha, seja porque ele tinha uma canola, seja porque ele tinha uma pastagem ou porque ele revolveu a área, provavelmente nessas áreas vai ser registrado a ocorrência de manchas mais cedo, com isso para ter um controle eficiente, o ideal seria iniciar com a chamada “Aplicação Zero”.
No caso de áreas que tem uma palhada boa, uma cobertura boa do solo, com isso menos respinga de chuva. Então nesses talhões a condição é um pouco melhor, de se tiver possibilidade fazer a “aplicação zero” ou também de adiantar um pouco a primeira aplicação, pois a palhada ajuda um pouco dentro do cenário do manejo.
Depois a gente vai ter que pensar nas questões das rotações, por causa do tema da resistência de novo.
O uso de multissítios em todas as aplicações é obrigatório, importantíssimo fazer rotação entre triazóis, ou melhor, não repetir triazol, não repita triazolintione, é melhor rotacionar do que repetir.
Esse ano vai ser um ano que vai aparecer o manejo do agrônomo / consultor dentro da lavoura, porque as dificuldades que o produtor vai ter vai ser a dificuldade de entrar na área para realizar as aplicações devido a muita chuva.
O que eu estou dizendo, produtor é sempre o seguinte, te antecipa. Se tiver com previsão de chuva e tu está com um intervalo de aplicação para frente, vai chover, antecipa. Faz antes da chuva.
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Redação: Equipe Mais Soja.
Referências:
CONSÓRCIO ANTIFERRUGEM. Parceria público-privada no combate à ferrugem asiática da soja, 2023. Disponível em: < http://www.consorcioantiferrugem.net/#/main >, acesso em: 01/11/2023.
FORCELINI, C. A. DOENÇAS EM SOJA: ENTENDENDO AS DIFERENÇAS ENTRE BIOTRÓFICOS E NECROTRÓFICOS. Revista Plantio Direto, Doenças, 2010. Disponível em: < https://www.plantiodireto.com.br/storage/files/120/3.pdf >, acesso em: 01/11/2023.
GODOY, C. V. et al. EFICIÊNCIA DE FUNGICIDAS PARA O CONTROLE DA FERRUGEM-ASIÁTICA DA SOJA, Phakopsora pachyrhizi, NA SAFRA 2022/2023: RESULTADOS SUMARIZADOS DOS ENSAIOS COOPERATIVOS. Embrapa, circular técnica 195. Londrina – PR, 2023. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/doc/1154837/1/Circ-Tec-195.pdf >, acesso em: 01/11/2023.
HENNING, A. A. et al. MANUAL DE IDENTIFICAÇÃO DE DOENÇAS DE SOJA. Embrapa Soja, Documentos 256. Londrina – PR, 2014. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/105942/1/Doc256-OL.pdf >, acesso em: 01/11/2023.
MADALOSSO, M. G. SOJA GUAXA – PONTE VERDE PARA PATÓGENOS. Madalosso Pesquisas, 2019. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=e-UAfyi6PU4&t=41s >, acesso em: 01/11/2023.
REIS, E. M. SOBRE OS HOSPEDEIROS DE Phakopsora pachyrhizi, NO BRASIL. Summa Phytopathol., Botucatu, v. 45, n. 1, p. 113, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/sp/a/9ntsgxZvXLK3BDXDQ5WPTrR/?format=pdf&lang=pt >, acesso em: 01/11/2023.