Por Lebna Landgraf (MTb 2903 – PR) Embrapa Soja

Mariangela Hungria com placas de Petri contendo bactérias fixadoras de nitrogênio. Foto: Antonio Neto/arquivo Embrapa

A pesquisadora da Embrapa Soja, Mariangela Hungria, laureada da edição de 2025 do Prêmio Mundial da Alimentação (PMA)  considerado o “Nobel” da Agricultura  , recebeu a homenagem durante a Cerimônia de Premiação dos Laureados, no dia 23 de outubro, às 21h (horário de Brasília), no Capitólio de Iowa, em Des Moines, Estados Unidos. O prêmio, concedido pela Fundação Prêmio Mundial da Alimentação, celebra o impacto positivo da pesquisa da cientista brasileira e sua contribuição para o desenvolvimento de insumos biológicos para a agricultura brasileira. 

“Sinto-me incrivelmente emocionada ao receber este prêmio, mas preciso ressaltar que não estou sozinha, pois todos aqueles que me ajudaram a construir um futuro promissor para os produtos biológicos no Brasil estão comigo. Este prêmio também é dos meus colegas de trabalho, alunos, ex-alunos, enfim, de todos que acreditaram neste sonho. E, acima de tudo, da Embrapa: uma instituição pública cujo objetivo é retornar os investimentos em benefícios para a sociedade. Durante quatro décadas, a Embrapa acreditou e investiu na minha pesquisa com bioinsumos, mesmo no início, quando ninguém acreditava que os produtos biológicos poderiam atingir a dimensão atual. Hoje, o sonho se tornou realidade, o Brasil desponta como líder mundial no uso de bioinsumos na agricultura”, comemora Mariangela Hungria.

Para a pesquisadora, há uma crescente demanda global por maior produção e qualidade de alimentos, mas com sustentabilidade, o que significa reduzir a poluição do solo e da água e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Segundo Hungria, o desenvolvimento sustentável na agricultura deve estar alinhado aos novos conceitos, especialmente “One Health”, “Environmental, Social and Corporate Governance (ESG)” e à nova visão da agricultura regenerativa. “Essa abordagem visa produzir mais com menos — menos insumos, menos água, menos terra, menos esforço humano e menos impacto ambiental”, afirma.

Para o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno, é uma grande honra ter a pesquisadora Mariangela Hungria, uma das maiores cientistas agrícolas do mundo, para compor a equipe de pesquisa da Embrapa Soja. “É um privilégio contar com a expertise da Mariangela. E principalmente em uma área em que o Brasil é líder mundial em sua utilização: a adoção de bioinsumos vem crescendo ano a ano na agricultura mundial, aproveitando a biodiversidade, reduzindo custos e emissões de gases de efeito estufa. São novas tecnologias que inovam no campo e colocam o Brasil como referência em sustentabilidade agrícola. Mariangela receber o WFP é um merecido reconhecimento da trajetória de excelência dessa cientista, que é um orgulho para a Embrapa e para todo o Brasil”, comemora.

 “Ver uma mulher, pesquisadora da Embrapa, ser reconhecida com o Prêmio Mundial da Alimentação é motivo de grande orgulho para todas nós e reforça o papel da ciência brasileira na construção de uma agricultura mais sustentável. A trajetória da Dra. Mariangela Hungria expressa o compromisso da pesquisa pública brasileira com a inovação e o avanço do conhecimento em benefício da sociedade. Que este reconhecimento sirva de inspiração para que outras mulheres sigam seus sonhos e encontrem um caminho de transformação na ciência”, afirma a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá.

Contribuições para a produção agrícola

Há mais de 40 anos, Hungria vem desenvolvendo inovações na área de microbiologia do solo, o que resultou no lançamento de mais de 30 tecnologias. O foco de sua pesquisa tem sido o aumento da produção e da qualidade dos alimentos, substituindo total ou parcialmente fertilizantes químicos por microrganismos que possuem propriedades como a fixação biológica de nitrogênio (FBN), a síntese de fitormônios e a solubilização de fosfatos e rochas potássicas. “Obtive resultados inovadores ao comprovar que, ao contrário de relatos dos EUA, Austrália e Europa, a inoculação anual de soja com Bradyrhizobium aumenta em média 8% a produtividade da soja. Ainda mais relevante, altas produtividades são alcançadas sem qualquer aplicação de fertilizantes nitrogenados, e a confirmação desses benefícios está na ampla adoção da prática pelos agricultores, já que ela está presente em 85% de toda a área cultivada com soja”, observa ela.

Outra tecnologia lançada pelo pesquisador foi a coinoculação de soja, unindo bactérias fixadoras de nitrogênio ( Bradyrhizobium ) e bactérias promotoras de crescimento vegetal ( Azospirilum brasilense ). Em pouco mais de dez anos, a coinoculação já foi adotada em aproximadamente 35% da área total cultivada com soja. Ao combinar os benefícios da inoculação da soja e da coinoculação, somente em 2024 a economia estimada  com a não utilização de fertilizantes nitrogenados —  foi estimada em US$ 25 bilhões. “Além do benefício econômico, o uso dessas bactérias ajudou a mitigar, em 2024, a emissão de mais de 230 milhões de toneladas de CO₂ equivalente na atmosfera”, afirma Hungria. 

Paralelamente ao trabalho com soja, a pesquisadora também coordena pesquisas que culminaram com o lançamento de outras tecnologias: autorização/recomendação de bactérias (rizóbios) e coinoculação para o cultivo de feijão, Azospirillum brasilense para o cultivo de milho, trigo e pastagens com gramíneas Brachiaria. Ainda em gramíneas, a equipe da pesquisadora lançou em 2021 uma tecnologia que permite a redução de 25% na adubação nitrogenada de culturas de cobertura de milho por meio da inoculação com A. brasilense , gerando benefícios econômicos significativos para os agricultores e impactos ambientais positivos para o país.

Sobre o Prêmio Mundial da Alimentação (PMA)

A Fundação Prêmio Mundial da Alimentação, que concede o Prêmio Mundial da Alimentação (PMA), foi idealizada pelo agrônomo e biólogo Norman E. Borlaug, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1970 e também conhecido como o “pai” da “revolução verde”. Um prêmio anual, o PMA foi criado em 1986 com o patrocínio da General Foods Corporation para homenagear personalidades que contribuem para melhorar a qualidade e a disponibilidade de alimentos no mundo. 

Três brasileiros já foram agraciados com o prêmio do WFP. Em 2006, os agrônomos Edson Lobato e Alysson Paulinelli dividiram o prêmio com seu colega americano A. Colin McClung, por seu trabalho no desenvolvimento da agricultura na região do Cerrado. Em 2011, os então presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e John Kufuor,
de Gana, foram escolhidos por seu papel no combate à fome como chefes de governo.

Trajetória profissional e reconhecimentos

Nascida em 1958, em São Paulo, e criada em Itapetinga, SP, Brasil, Mariangela Hungria conta que desde a infância tem curiosidade por aprender sobre aspectos relacionados à terra, à água e ao ar. Sua busca por conhecimento e seu espírito científico a levaram a cursar Engenharia Agronômica (Esalq/USP), mestrado em Solos e Nutrição de Plantas (Esalq/USP) e doutorado em Ciência do Solo (UFRRJ). Hungria conta que, para seu doutorado na UFRRJ, escreveu sua tese na Embrapa, a convite da pesquisadora Johanna Döbereiner , cientista que revolucionou a agricultura tropical ao descobrir e aplicar a fixação biológica de nitrogênio (FBN) em culturas. “A Dra. Johanna foi a mentora mais influente da minha carreira. Ela me ensinou a ser cientista, a defender firmemente minhas ideias científicas, a
buscar financiamento e a compartilhar conhecimento”, relembra.

Em 1982, tornou-se pesquisadora da Embrapa: inicialmente na Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ) e, a partir de 1991, na Embrapa Soja (Londrina, PR). Mariangela Hungria também realizou três pós-doutorados em universidades nos Estados Unidos e na Espanha (Universidade Cornell, Universidade da Califórnia-Davis e Universidade de
Sevilla).

A cientista possui mais de 500 publicações científicas, documentos técnicos, livros e capítulos de livros. Ela também orientou mais de 200 alunos de graduação e pós-graduação. Ao refletir sobre sua trajetória, Hungria considera o trabalho com coerência, persistência e resiliência suas características determinantes. “Sempre acreditei na vida do solo, em microrganismos restaurando a fertilidade, em uma agricultura altamente produtiva e que não agride o meio ambiente. Nunca me afastei um centímetro do que acreditava. Essa coerência — tanto na minha pesquisa quanto na minha postura — resultou em credibilidade científica e fortes conexões com o setor agrícola”, afirma a pesquisadora.

Hungria possui comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico e é membro titular da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas e da Academia Mundial de Ciências. É professora e orientadora do curso de pós-graduação em Microbiologia e Biotecnologia da Universidade Estadual de Londrina. Hungria também é membro da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e da Sociedade Brasileira de Microbiologia.

Desde 2020, Hungria figura entre os 100.000 cientistas mais influentes do mundo, segundo estudo da Universidade Stanford (EUA). Em 2022, a pesquisadora conquistou o primeiro lugar brasileiro, confirmado em 2025, em Fitotecnia e Agronomia e em Microbiologia, em lista publicada pelo Research.com, site que reúne dados sobre contribuições científicas em nível global.

Recebeu diversos prêmios por sustentabilidade na agricultura, como o Prêmio Frederico Menezes, o Prêmio Lenovo-Academia Mundial de Ciências, o Prêmio FPA da Frente Parlamentar da Agricultura e o Prêmio Fundação Bunge. Em 2025, recebeu o Prêmio Mulheres e Ciência, promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em parceria com o Ministério da Mulher, o British Council e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe.

“Ao longo da minha carreira científica, fui agraciada com inúmeros prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais com os quais jamais havia sonhado. Acredito que o fator diferencial da minha carreira sempre foi uma abordagem “da ciência básica à aplicada”, abrangendo diversos tópicos, desde estudos sobre evolução bacteriana até o desenvolvimento de inoculantes microbianos para agricultores”, conclui.

Fonte: SNA



 

FONTE

Autor:Lebna Landgraf - Embrapa Soja, disponível em SNA

Site: SNA

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