Você já deve ter ouvido falar que a propriedade agrícola é uma “fábrica a céu aberto”, conceito que é utilizado, tanto na área técnica como científica, para representar a incerteza quanto aos fatores climáticos e biológicos da atividade rural. Ou seja, diferente de uma fábrica convencional, não há garantia de que um conjunto de insumos vai gerar um produto com as características esperadas. Outra fonte de incerteza com a qual o produtor rural se defronta é variabilidade de preços de produtos e insumos.
Nos mercados de ambos, ademais, o produtor rural é um tomador de preços, prevalecendo substancial diferença em termos de poder de mercado entre ele (produtor, que apenas aceita os preços que lhe são propostos) e os agentes (em geral, pouco numerosos e comercialmente grandes) com quem faz negócios, sejam eles vendedores de insumo ou compradores de produtos agropecuários.
A incerteza se agrava ainda mais porque as tomadas de decisões sobre cultivos e sistemas produtivos – e, portanto, sobre custos – em um ano-safra antecedem significativamente o momento em que a produção estará disponível para comercialização. Entre esses dois momentos, as condições de mercado podem se alterar substancialmente.
Incerteza, no entanto, é um problema que pode ser reduzido a níveis com os quais se pode conviver mediante uso de informação e técnicas analíticas. No mercado financeiro, o conceito de incerteza faz parte do dia a dia, em que agentes a tratam pelo conceito de risco. Como? A diferença está na possibilidade de quantificação das características da incerteza. No âmbito agrícola, um bom exemplo é o clima.
Quando se diz que pode ou não chover na última semana de setembro, tornando mais propícia a semeadura – viabilizando uma produtividade de x sacas por hectare e não y sacas caso não chova – está-se lidando com incerteza. Mas quando se utiliza uma série histórica de pluviosidade diária e se aplica análise estatística, consegue-se quantificar esse risco. Por exemplo: as análises poderiam mostrar que há 80% de probabilidade de chover na última semana de setembro. Assim, pode-se considerar para tomada de decisão que a produtividade esperada será uma média ponderada, dando-se 80% de peso a x sacas e 20% a y sacas por hectare.
A questão que está em jogo é “O Quanto?”. No mercado financeiro, o problema não é perder dinheiro, mas o quanto estou disposto a arriscar perder para ganhar determinada quantia. Qual é, enfim, o ganho ou perda que, em média, se pode esperar estatisticamente. Ou qual é a probabilidade de se obter determinado ganho? Ou, então, encontrar negócios com mesma remuneração média esperada e risco menores. Talvez, os gestores rurais ainda não estejam acostumados com essa visão para tomada decisão, mas é imprescindível ter em conta que todo empreendimento tem prejuízo em algum momento; portanto, seria interessante saber o tamanho desse potencial.
Na prática, análise de risco compreende prever o futuro a partir do conhecimento do passado, o que exige conhecimento estatístico e grande banco de dados. A ideia básica da análise é identificar as fontes de incerteza que afetam a produção e, a partir dos padrões de comportamento que tiveram no passado, inferir quanto a possíveis padrões futuros. Assim, quanto mais informações conhecemos sobre as variáveis de risco, melhor a capacidade de antecipar os comportamentos futuros. É como conhecer uma pessoa. No começo da relação não se tem ideia de que a deixa feliz, triste ou com fome, mas quanto mais tempo passar com ela, mais informações se recolhe e, então, se consegue prever o que a deixa feliz, triste, etc.
Diversos modelos matemáticos já foram desenvolvidos para medir risco no mercado financeiro, e uma pequena parte já provou ser aplicável ao contexto da produção rural. Os possíveis usos validados da análise de risco comtemplam, por exemplo: quantificar a probabilidade de prejuízo na escolha de culturas; calcular os riscos ambiental e econômico relacionados ao uso de produtos químicos e biológicos; dimensionar a capacidade operacional de máquinas que reduz o risco econômico; a forma de estrutura contratual de comercialização que minimiza risco de execução; o risco associado ao uso de irrigação, entre outros.
Com a evolução computacional, essas análises ficaram ainda mais exequíveis. Contudo, o maior desafio hoje na agricultura brasileira é como captar dados de forma eficiente para que essas análises tenham confiabilidade suficiente para auxiliar, de fato, o produtor na tomada de decisão. A experiência mostra que não é comum encontrar propriedades com banco de dados sistematizados de suas realizações, mas já se vê grandes propriedades preocupadas em como ter informação de todo o processo produtivo de forma rápida.
O mais importante é que trabalhar com análises de risco mudaria muito a forma de gestão do produtor rural, evitando surpresas e mostrando para o quanto deve estar preparado conforme as contingências. Exemplificando, qual deveria ser o montante de reservas financeiras necessárias para passar por crises, com base no histórico do negócio?
Avaliar risco poderia melhorar a capacidade de negociar recursos, pois mostraria aos agentes de fomento financeiro quais os potenciais ganhos e perdas do seu negócio. Ou seja, se o seu negócio é menos arriscado, deveria haver taxas menores de juros no empréstimo.
A gestão de risco também pode contribuir para encontrar quais variáveis apresentam maior variação de resultados e quando não for aceitável, decidir qual melhor ferramenta para mitigação. Por exemplo, poderia favorecer a busca por um seguro que suporte a probabilidade de perdas produtivas ou financeiras.
Propõe-se mudar o discurso para: o seu negócio tem potencial de no máximo “P” de prejuízo e pode chegar a lucrar “L”, sendo que em média remunera “Z”. Considera-se a incerteza e então se sabe o quanto se está arriscando.
Fonte: Cepea