Há 15 anos era liberado para comercialização no Brasil o primeiro híbrido de milho geneticamente modificado, contendo genes da bactéria de solo Bacillus thuringiensis (Bt), capazes de promover na planta a síntese de proteínas tóxicas a determinados grupos de insetos.
Hoje, mais de 80% do milho cultivado no país é transgênico. Entretanto, permanecem alguns mitos a respeito dessa importante ferramenta de manejo. Confira a seguir as respostas para algumas dessas questões.
O milho Bt controla todas as pragas da lavoura de milho?
Não. As toxinas produzidas pelo milho Bt são específicas para o controle de determinados grupos de insetos. A maioria atua sobre lepidópteros, como a lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), lagarta-da-espiga (Helicoverpa zea) e lagarta-elasmo (Elasmopalpus lignosellus). Em outros países, são utilizadas também toxinas Bt com ação específica sobre coleópteros, como Diabrotica spp.
Já os insetos sugadores não são controlados (com raras exceções), pois as toxinas Bt são sintetizadas apenas nos tecidos da planta, não na seiva. De fato, a ampla adoção do milho Bt tem sido apontada como um dos fatores que levaram ao crescimento na ocorrência da cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) no Brasil, devido à redução no número de aplicações de inseticidas na cultura.
Como as toxinas do milho Bt agem no controle de lagartas?
A bactéria Bacillus thuringiensis possui em seu genoma uma classe de genes denominados cry, que induzem nas células a produção de proteínas tóxicas para grupos específicos de insetos-praga. Essa especificidade está relacionada a receptores presentes no intestino médio dos insetos, onde as toxinas ligam-se e levam à formação de poros na membrana das células epiteliais, que incham e sofrem rupturas. Como resultado, o inseto é levado à morte por septicemia (infecção generalizada). Embora a morte do inseto não seja imediata, a sua alimentação é interrompida logo após a ingestão da toxina.
A eficiência do Bt é a mesma para todas as espécies de lagartas?
Não. As toxinas Bt apresentam alta especificidade e, mesmo dentro de um grupo de insetos, a atividade de cada toxina pode variar conforme a espécie-praga em questão. Na cultura da soja, por exemplo, observou-se que Helicoverpa armigera é menos sensível ao Bt comparada à lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis) e à falsa-medideira (Chrysodeixis includens), possivelmente por alimentar-se das estruturas reprodutivas da planta, onde a síntese de toxinas é menor do que nos tecidos vegetativos.
Portanto, a estratégia de piramidação de genes cry, expressando diferentes toxinas na mesma cultivar, é essencial para prevenção da resistência e aumento da eficiência no controle de diferentes espécies-praga.
O milho Bt pode causar problemas de saúde nos seres humanos?
Mito. As toxinas Bt só se tornam ativas quando submetidas a pH alcalino, acima de 8. Essas condições são encontradas no tubo digestivo das lagartas, por exemplo. Por esse motivo, essas toxinas são completamente inócuas aos seres humanos e vertebrados em geral, que possuem pH intestinal ácido, onde elas são rapidamente degradadas.
Além disso, estudos de longo prazo têm sido conduzidos desde o início da comercialização das plantas transgênicas, com o objetivo de identificar possíveis impactos indesejados. Até o momento, não há evidências de correlação entre as plantas transgênicas e quaisquer problemas de saúde na população humana.
As toxinas Bt são seletivas a inimigos naturais e polinizadores?
Verdade. A alta especificidade das toxinas Bt garante uma ação quase exclusiva sobre as espécies-alvo, preservando comunidades de insetos benéficos, inimigos naturais e polinizadores. Portanto, ao contrário do que muitos pensam, as cultivares transgênicas contribuem para a sustentabilidade da agricultura, por reduzirem o número de aplicações de inseticidas químicos quando comparadas às cultivares convencionais.
Não perca as respostas para mais perguntas na semana que vem. Para maiores informações sobre o modo de ação das proteínas Bt, clique aqui.
Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.
Referências:
CRUZ, I.; VIANA, P. A.; LAU, D.; BIANCO, R. Manejo Integrado de Pragas do Milho. In: CRUS, J. C.; MAGALHÃES, P. C.; PEREIRA FILHO, I. A.; MOREIRA, J. A. A. (Eds.) Milho: 500 Perguntas, 500 Respostas. Embrapa, Brasília-DF, 2011. Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/101790/1/500perguntasmilho.pdf>
FERNÁNDEZ-CHAPA, D.; RAMÍREZ-VILLALOBOS, J.; GALÁN-WONG, L. Toxic Potential of Bacillus thuringiensis: An Overview, Protecting Rice Grains in the Post-Genomic Era, Yulin Jia, IntechOpen, 2019. Disponível em: <https://www.intechopen.com/chapters/67369>
POZEBON, H.; STÜRMER, G. R.; ARNEMANN, J. A. Corn Stunt Pathosystem and its Leafhopper Vector in Brazil. Journal of Economic Entomology, v. 115, n. 6, p. 1817-1833, 2022. Disponível em: <https://academic.oup.com/jee/article-abstract/115/6/1817/6708323>
SALGADO, V. L. 2013. BASF Insecticide Mode of Action Technical Training Manual. Disponível em:<https://agriculture.basf.com/global/assets/en/Crop%20Protection/innovation/BASF_Insecticide_MoA_Manual_2014.pdf>