As ferramentas de controle biológico disponíveis no mercado há alguns anos ainda eram de difícil acesso e custo elevado. Dessa forma, apesar dos benefícios evidentes, como a redução de resíduos, equilíbrio da biodiversidade, menor contaminação do meio ambiente, redução da pressão de seleção de pragas e doenças, os insumos convencionais ainda eram mais práticos e econômicos. Até que, na safra de 2012, um surto de Helicoverpa armigera fez com que muitos produtores recorressem aos bioinsumos de multiplicação on-farm, pela ineficiência dos químicos em controlar a praga e os custos dispendiosos da tecnologia Bt (Bacillus thuringiensis)(CANAL RURAL, 2020).

Desde então, aumentou a demanda dos mais diversos tipos de produtos biológicos, dentre eles os promotores de crescimento (fixadores de nitrogênio, solubilizadores e mineralizadores de fósforo, fungos micorrízicos), inoculantes e coinuculantes com bactérias, microrganismos eficientes, microrganismos produtores de fitormônios, biocontroladores e bioestimulantes.

Entretanto, por se tratar de organismos vivos, a logística de alguns produtos até a propriedade exige cautela e uma série de recursos para mantê-los viáveis. Esses processos são onerosos e acabam por inviabilizar a utilização em determinadas regiões e locais. Nesse sentido, a aquisição das cepas desses microrganismos e sua multiplicação nas propriedades (on-farm) tornou-se uma alternativa eficiente para os produtores.

A multiplicação de microrganismos on-farm é regulamentada, através da legislação do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), pelo Decreto nº 6.913, de 2009, que determina que “ficam isentos de registro os produtos fitossanitários com uso aprovado para a agricultura orgânica produzidos exclusivamente para uso próprio”. No entanto, órgãos da agricultura nacional estão trabalhando para que haja uma legislação mais específica para biofábricas, com a implementação de registro e fiscalização das propriedades que se utilizam da técnica, além do fomento à pesquisa e capacitação na área.

Nesse sentido, o MAPA decretou em maio de 2020 o Programa Nacional de Bioinsumos. Nesse decreto foi definido o que configura um bioinsumo, para legitimar e assegurar juridicamente as políticas públicas de ampliação e fortalecimento da utilização desses produtos, tendo como uma de suas competências “analisar a legislação correlata ao tema e indicar os conflitos normativos e seus impactos na execução do Programa e na elaboração de marco regulatório”.

Entre outras, é competência desse programa a criação de um ambiente favorável para a oferta de financiamentos, custeios e créditos que beneficiem a produção e a utilização de bioinsumos. Outro produto do programa, uma parceria do MAPA com a Embrapa, foi o “Aplicativo Bioinsumos”, disponível para download de forma gratuita e disponibilizado nas versões iOs e Android, em que são atribuídas informações de inoculantes e controladores biológicos registrados pelo MAPA de acordo com a cultura, praga ou doença de interesse. (BRASIL, 2020)

O sistema pode ser desenvolvido de maneira inteiramente artesanal ou semi-industrial, com a utilização de caixas d’água ou biorreatores, em que se adiciona um meio de cultura, água, antiespumante, açúcar ou melado e o inóculo microbiano. Este, na maioria das vezes, provém de produtos comerciais registrados, mas em alguns casos não possuem registro ou são coletados e isolados na própria fazenda. Deve-se também manter o ambiente microbiano oxigenado até que esteja pronto para uso. Hoje já é possível adquirir o sistema através de empresas que oferecem desde a assistência técnica até os equipamentos e produtos necessários para a multiplicação na fazenda.

Figura 1: Biorreator com meio de cultura e microrganismos. Fonte: Fernanda Ribeiro, 2021.

As demandas para se atingir um ambiente em condições adequadas para a multiplicação são muito distintas e dependem do tipo de microrganismo desejável, das técnicas utilizadas, da expansão da área e do aporte financeiro do produtor. Mas, de maneira geral, alguns cuidados devem ser tomados, a exemplo da qualidade da água utilizada, a qual não deve conter cloro e contaminantes, filtragem do ar incorporado no sistema, temperatura ideal, assepsia dos equipamentos, ambiente e meios de cultura, pureza e qualidade do inóculo, além do controle da comunidade microbiana. Existem cursos de capacitações para multiplicações específicas através da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

A aplicação da população microbiana à campo acontece de várias maneiras, a depender do tipo de comunidade ou do microrganismo específico a ser manejado. Podem ser utilizadas no tratamento de sementes por inoculação ou periodicamente nos diferentes estágios da cultura mediante pulverizações por inundação, por exemplo. Nessa etapa, deve-se atentar à higienização dos tanques de pulverização, tubulações, bicos e demais equipamentos utilizados; à regulagem de pressão, volume, tamanho e tipo de bicos adequados para que a aplicação ocorra sem diminuir a eficiência do bioinsumo.

Como já enfatizado anteriormente, um dos maiores riscos da multiplicação on-farm se dá pela contaminação do sistema, que é algo fácil de acontecer em qualquer uma das fases de produção, seja proveniente dos materiais, equipamentos, meio de cultura, água, ar e insumos utilizados. Descuidos na esterilização e desinfecção do sistema ou até mesmo a utilização de cepas e produtos de procedência duvidosa podem ser determinantes no desenvolvimento de microrganismos contaminantes, chegando ao ponto de perder-se o lote do produto ou, se não houver a identificação, uma aplicação desperdiçada.

Ademais, alguns microrganismos com potencial de contaminação podem causar problemas à saúde humana, é o caso da Salmonella spp., que em casos mais severos pode resultar em infecções generalizadas em colaboradores e consumidores finais. Em um estudo sobre a qualidade microbiológica de bioprodutos comerciais multiplicados on-farm no Vale do São Francisco, todas as amostras apresentaram contaminação por diferentes espécies de bactérias e leveduras, por coliformes totais, termotolerantes e presença provável de Salmonella spp.. Além disso, os microrganismos alvos da produção não foram encontrados nas amostras. (SANTOS et. al, 2020)

Inicialmente, era comum que essas práticas fossem realizadas majoritariamente em produções agroecológicas devido à dependência dessas ao manejo biológico. Contudo, a multiplicação de bioinsumos on farm tem se mostrado eficiente nos mais diversos sistemas, inclusive na agricultura convencional, em todas as escalas de produção e em todas as culturas, visto que os benefícios podem ser notados desde os aspectos gerais (comuns a todas as culturas) como na estruturação do solo e aumento do vigor vegetativo até os casos mais específicos de controle de pragas e doenças. Ademais, o incremento do sistema com a aplicação de produtos biológicos tende a diminuir o custo de produção, reduzir as aplicações de defensivos químicos e contribuir de forma eficiente no manejo de resistência de insetos-praga e doenças.

Outro aspecto que remete a importância da multiplicação on farm é a dependência da importação dos insumos agrícolas. Presencia-se atualmente uma crise de abastecimento de produtos fitossanitários, ingredientes ativos, fertilizantes e materiais provenientes da China, que passa hoje por uma crise energética. Dentre os produtos que constam em falta está o glifosato, herbicida mais utilizado no Brasil. Dessa forma, trabalhar com a diversificação do manejo e de fontes de insumos é de extrema relevância.

Nesse contexto, percebe-se que a multiplicação de microrganismos on-farm vem ocupando um espaço cada vez maior na agricultura moderna. Com seus riscos e potenciais explicitados, é notória a necessidade de regulamentar essa prática, fomentar pesquisas na área e promover a capacitação dos produtores para que seja replicada de forma segura e benéfica. Com o Programa Nacional de Bioinsumos há uma perspectiva de que esse setor ganhe sua devida atenção e continue a promover soluções e reduzir custos para o produtor rural.

Autora: Fernanda Silveira Ribeiro – Acadêmica do 3° semestre de Agronomia e Bolsista grupo PET Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Referências: 

CANAL rural. Saiba o que é a multiplicação de bactérias on farm. Disponível em: <https://blogs.canalrural.com.br/francysdeoliveira/2020/08/04/saiba-o-que-e-amultiplicacao-de-bacterias-on-farm/>. Acesso em 18 de out de 2021.

SANTOS, Adailson; DINNAS, Sophia; FEITOZA, Adriane. Qualidade microbiológica de bioprodutos comerciais multiplicados on farm no Vale do São Francisco: dados preliminares. Enciclopédia biosfera, v. 17, n. 34, 2020.

HARDOIM, Pablo; MARTINS, Eduardo; GÖRGEN, Claudia; GARCIA, Rafael. Multiplicação de bactérias on farm. Campo & Negócios, v. 181, pag 29-32, 202

BRASIL. Decreto nº 10.375, de 26 de maio de 2020. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 105, 26 mai. 2020.

Vitene

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