Foto de capa: Ferreira et al. (2023)

O complexo de enfezamentos do milho é um dos maiores temores dos produtores no Brasil, sendo causado por três fitopatógenos: o espiroplasma (Spiroplasma kunkelii – CSS – corn stunt spiroplasma), causador do enfezamento pálido; o fitoplasma (MBSP – maize bushy stunt phytoplasma), causador do enfezamento vermelho; e o vírus-da-risca (MRFV – maize rayado fino virus). Esses patógenos são transmitidos pela cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis), até então considerada o único vetor da doença no Brasil.

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Contudo, Ferreira et al. (2023) relataram a ocorrência de uma nova espécie de cigarrinha-do-milho em Goiás (Leptodelphax maculigera), fato recentemente noticiado neste portal (https://maissoja.com.br/nova-especie-de-cigarrinha-do-milho-capaz-de-transmitir-enfezamentos-e-observada-em-goias/). Ainda há poucas informações disponíveis na literatura sobre essa espécie, que até então estava restrita ao continente africano, com ocorrência registrada nas Ilhas Mascarenhas, Costa do Marfim, Madagascar, Quênia e Camarões.

Figura 1. Cigarrinha-do-milho da espécie Dalbulus maidis, até então a única presente no Brasil.

Em relação à transmissão de doenças no milho, sabe-se que L. maculigera é capaz de atuar como vetor do fitoplasma (MBSP), conforme relatado por Koji et al. (2012). Quanto aos demais agentes causadores do complexo de enfezamentos (espiroplasma e vírus-da-risca), a sua capacidade de transmissão permanece desconhecida. Entretanto, outras espécies dessa mesma família (Delphacidae) já se mostraram capazes de transmitir mais de 25 tipos de vírus diferentes (WILSON, 2005).

A espécie L. maculigera apresenta algumas diferenças morfológicas em relação à D. maidis, que pertence a uma família distinta (Cicadellidae). O adulto de L. maculigera é ligeiramente menor e possui um esporão no ápice das tíbias das patas traseiras, ao contrário de D. maidis, que apresenta vários espinhos nas tíbias. Além disso, estão ausentes em L. maculigera os dois pontos pretos na cabeça, que são característicos de D. maidis. A despeito dessas diferenças, a morfologia geral de ambas as espécies é semelhante, fato que pode ter retardado a detecção de L. maculigera no Brasil.

Figura 2. Diferenças morfológicas entre Dalbulus maidis e Leptodelphax maculigera.

Fonte: Ferreira et al. (2023)

Quanto à sua gama de hospedeiros, L. maculigera demonstra uma preferência por gramíneas e não se limita à cultura do milho (Zea mays), tendo sido encontrada também em capim-elefante (Pennisetum purpureum) e capim-braquiária (Brachiaria decumbens). Nisso, se assemelha à espécie D. maidis, que também é capaz de se alimentar de diferentes gramíneas, embora se reproduza exclusivamente em milho e teosinto (POZEBON et al., 2022). Resta saber se a presença de plantas de milho também é imprescindível para a reprodução de L. maculigera.

Outra dúvida que permanece é a forma como essa nova praga chegou ao Brasil, sendo uma espécie até então ausente nos demais países da América do Sul. A origem provável é o continente africano, embora a forma de dispersão seja desconhecida. Tratando-se de um inseto sugador de partes vegetativas, é improvável que tenha chegado via transporte de grãos. Por outro lado, sabe-se que D. maidis possui a capacidade de voar por longas distâncias, e que outras pragas invasivas já se disseminaram de forma semelhante, inclusive de um continente para outro (POZEBON et al., 2020). Considerando as semelhanças biológicas entre L. maculigera e D. maidis, essa é uma hipótese a ser estudada.

Entretanto, a principal questão a ser respondida é se L. maculigera tem potencial para se tornar uma praga tão ou mais importante que D. maidis para produção de milho no Brasil. Considerando a biologia evolutiva das duas espécies, D. maidis se destaca por estar associada à cultura do milho desde a sua domesticação, há cerca de 9.000 anos, na região do atual México (NAULT; DELONG, 1980). Dentre as 11 espécies conhecidas do gênero Dalbulus, apenas esta foi capaz de estabelecer uma relação de benefício mútuo com os patógenos causadores do enfezamento, fato que favoreceu sua dispersão pelo continente americano (POZEBON et al., 2022).

Já a espécie L. maculigera possui um centro de origem diferente, podendo indicar que não vai alcançar o mesmo status de praga que D. maidis, cuja relação com a cultura é muito mais especializada. Por outro lado, há casos de pragas invasivas que suplantaram as nativas por possuir uma maior adaptabilidade, como o biótipo B de mosca-branca (Bemisia tabaci MEAM1). Nesse sentido, o potencial adaptativo de L. maculigera no Brasil ainda não está claro. Por ora, a origem africana da espécie e detecção unicamente no Centro-Oeste sugerem que as condições de temperatura na região Sul seriam inicialmente limitantes à L. maculigera, como foram por muito tempo para D. maidis.

 Figura 3. Os seis mandamentos do combate à cigarrinha-do-milho.

Fonte: Pozebon et al. (2022)

 De qualquer forma, cabe realizar o monitoramento constante nas lavouras de milho, bem como em plantas de milho voluntário durante a entressafra, mantendo sob observação o nível populacional de ambas as espécies de cigarrinha. Quanto ao controle, mantêm-se as recomendações vigentes para D. maidis.


Sobre o autor: Henrique Pozebon
, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.

REFERÊNCIAS

FERREIRA, K. R. et al. FIRST RECORD OF THE AFRICAN SPECIES Leptodelphax maculigera (Stål, 1859) (Hemiptera: Delphacidae) IN BRAZIL. Research Square, 2023. Disponível em: https://www.researchsquare.com/article/rs-2818951/v1

JONES, T. L.; MEDINA, R. F. CORN STUNT DISEASE: AN IDEAL INSECT–MICROBIAL–PLANT PATHOSYSTEM FOR COMPREHENSIVE STUDIES OF VECTOR-BORNE PLANT DISEASES OF CORN. Plants, v. 9, p. 747, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32545891/

KOJI, S. et al. SEASONAL ABUNDANCE OF Maiestas banda (Hemiptera: Cicadellidae), A VECTOR OF PHYTOPLASMA, AND OTHER LEAFHOPPERS AND PLANTHOPPERS (Hemiptera: Delphacidae) ASSOCIATED WITH NAPIER GRASS (Pennisetum purpureum) IN KENYA. Journal of Pest Science, v. 85, p. 37–46, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10340-011-0376-z

NAULT, L. R.; DELONG, D. M. EVIDENCE FOR CO-EVOLUTION OF LEAFHOPPERS IN THE GENUS Dalbulus (Cicadellidae: Homoptera) WITH MAIZE AND ITS ANCESTORS. Annals of the Entomological Society of America, v. 73, p. 349–353, 1980. https://academic.oup.com/aesa/article-lookup/doi/10.1093/aesa/73.4.349

OLIVEIRA, E. de et al. Enfezamentos em milho: expressão de sintomas foliares, detecção dos molicutes e interações com genótipos. Embrapa Milho e Sorgo, 2002. https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc/480747/1/Enfezamentosmilho.pdf

POZEBON, H. et al. ARTHROPOD INVASIONS VERSUS SOYBEAN PRODUCTION IN BRAZIL: A REVIEW. Journal of Economic Entomology, v. 113, n. 4, p. 1591-1608, 2020. https://academic.oup.com/jee/article/113/4/1591/5855049?login=false

POZEBON, H. et al. CORN STUNT PATHOSYSTEM AND ITS LEAFHOPPER VECTOR IN BRAZIL. Journal of Economic Entomology, v. 115, n. 6, p. 1817-1833, 2022. https://academic.oup.com/jee/article-abstract/115/6/1817/6708323

SABATO, E. O. et al. CENÁRIO E MANEJO DE DOENÇAS DISSEMINADAS PELA CIGARRINHA NO MILHO. Embrapa Milho e Sorgo, Cartilha, 2016. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1059085/1/Cenariomanejo1.pdf

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