O sistema de cultivo da soja passa por constantes modificações, assim como a dinâmica das pragas associadas à cultura, cujos danos devem ser revistos e atualizados. Nesse sentido, um dos grupos de pragas mais relevantes é o dos percevejos, verdadeiros “sugadores de lucros”, cujo manejo deve levar em conta a grande variedade de épocas e locais em que a soja é cultivada. Esse cenário, associado ao plantio direto, resulta em “pontes verdes” capazes de hospedar os percevejos nas lavouras, ou em áreas próximas, durante praticamente o ano todo.
Suscetibilidade das cultivares de soja
A maior vulnerabilidade da soja ao ataque de percevejos está associada ao amplo uso de cultivares que apresentam duas características principais: hábito de crescimento indeterminado, nas quais ocorre uma sobreposição entre as fases vegetativa e reprodutiva; e grupo de maturação situado entre 3.0 e 4.0, resultando num ciclo mais precoce. A expansão das áreas de cultivo, motivada pela valorização da soja no mercado internacional de grãos, também favorece o crescimento populacional da praga, especialmente em cultivos mais tardios. Além de terem se tornado mais abundantes e nocivos, os percevejos mostram-se cada vez mais difíceis de serem controlados, seja pela soma dos fatores citados anteriormente ou pela resistência aos ingredientes ativos disponíveis.
Do ponto de vista fenológico da soja, considera-se o intervalo entre o aparecimento das vagens (R3) e a máxima acumulação de matéria seca no grão (R7) como de maior vulnerabilidade aos percevejos, sendo que as principais perdas resultam de ataques entre R4 (final do desenvolvimento das vagens) e R5.5 (final do enchimento de grãos). Danos ocasionados após esse período, embora não se reflitam em perda de produtividade, podem reduzir o vigor e a germinação das sementes em lavouras destinadas a esse fim. Essa dinâmica de riscos está ilustrada na Figura 1.
Figura 1. Período de risco de danos (baixo, médio e alto) dos percevejos da soja.
Fonte: Adaptado de Guedes et al. (2012a).
Na Argentina, verificou-se que cultivares de soja com florescimento mais precoce e/ou hábito de crescimento indeterminado apresentam maior suscetibilidade aos danos de percevejos (GAMUNDI et al., 2008). O motivo é a disponibilidade de legumes (vagens) por mais tempo, uma vez que a emissão de nós (com novas flores) ocorre concomitantemente ao desenvolvimento dos legumes, até a emissão do último nó da planta. Dessa forma, o período reprodutivo “real” da cultivar é ampliado.
Nesse sentido, verifica-se que cultivares antigas de hábito determinado, como BRAGG e IAS-5, apresentavam um período de emissão de nós de 6 a 7 dias; ao passo que em cultivares mais recentes e indeterminadas, como NS 4823 RR e BMX Potência RR, esse período é de 25 a 30 dias (Guedes et al., 2012a). Essa diferença considerável no tempo de emissão de flores aumenta o período favorável ao desenvolvimento dos percevejos, devido à maior disponibilidade de legumes ao longo do ciclo da cultura.
Nível de controle dos percevejos
Os danos dos percevejos em soja já foram amplamente estudados, havendo diferentes formas de avaliar as injúrias ocasionadas por essa praga sugadora e seus impactos na produtividade da cultura. A intensidade dos danos depende cumulativamente dos seguintes fatores: (1) espécie de percevejo em questão; (2) nível populacional da mesma; (3) estágio de desenvolvimento do percevejo; (4) estádio fenológico da soja no momento do ataque; (5) duração do ataque; (6) cultivar de soja utilizada e (7) variáveis ambientais, entre outros. O impacto dessa praga na produtividade da soja é evidenciando na Tabela 1, que demonstra perdas entre 49 kg/ha e 125 kg/ha de soja para 1 percevejo/m² ou 10.000 percevejos/ha, conforme estudos conduzidos na Argentina, Brasil e Estados Unidos.
Tabela 1. Potencial de dano (kg/ha) para 1 percevejo/m², sob diferentes situações de cultivo e infestação, na cultura da soja.
Fonte: Guedes et al. (2012a).
Com base esses resultados, o Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (INTA), instituição argentina equivalente à Embrapa, definiu níveis de controle para percevejos considerando o estádio de desenvolvimento, o hábito de crescimento e o grupo de maturação das cultivares de soja (Tabela 2). São níveis de controle mais flexíveis do que os comumente empregados, tendo sofrido uma redução em seus valores absolutos. Na prática, isso significa que o início do manejo ocorre mais cedo, gerando resultados mais eficazes na supressão das populações infestantes.
Tabela 2. Níveis de controle dos percevejos da soja (nº de percevejos/m de linha). Os valores devem ser reduzidos pela metade para produção de sementes.
Fonte: Guedes et al. (2012b), adaptado de Gamundi et al. (2008).
No Brasil, tradicionalmente recomenda-se um nível de controle de dois percevejos por metro de fileira (adultos ou ninfas grandes), reduzido pela metade em lavouras de produção de sementes. Entretanto, esses valores carecem de atualização, uma vez que foram estabelecidos há mais de 20 anos. Desde então, os inseticidas tornaram-se mais baratos e o valor de comercialização da saca de soja aumentou consideravelmente, reduzindo os gastos necessários para controlar a praga em relação ao valor da produção.
Além disso, hoje se produz muito mais soja por unidade de área, elevando ainda mais a relação produtividade × preço. Assim, o risco proporcionado pelos percevejos ultrapassa os custos de seu controle mesmo antes de atingir-se o nível populacional de dois percevejos por metro de fileira. A soma desses fatores permite que o controle de percevejos seja mais rigoroso, tal qual recomendado na Argentina, uma vez que o valor atual da soja é capaz de pagar por esse controle.
Considerações finais
Tendo em vista as constantes transformações no cultivo da soja e na dinâmica do ataque de percevejos, torna-se necessário revisar as estratégias de manejo disponíveis para essa praga, a qual é responsável por causar danos severos e recorrentes à cultura. O maior rigor no controle, proporcionado por um nível de ação mais realista, deve estar atrelado a métodos de amostragem mais rápidos e eficazes. Por fim, recomenda-se adotar a rotação de mecanismos de ação e evitar o uso aleatório e indiscriminado de inseticidas, reduzindo assim o risco de surgimento de populações resistentes da praga. Na próxima semana, discutiremos em detalhes as particularidades do controle químico dos percevejos da soja.
Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
REFERÊNCIAS:
CORRÊA-FERREIRA, B.S.; PANIZZI, A.R. Percevejos da soja e seu manejo. Londrina: Embrapa Soja, 1999. 45 p. (Embrapa Soja. Circular Técnica, 24).
GAMUNDI, J.C., SOSA, M.A. Caracterización de daños de chinches en soja y criterios para la toma de decisiones de manejo. In: TRUMPER, E.V. & ELSTAIN, J.D. Eds. Chinches fitófagas en soja. Revisión y avances en el estudio de su ecología y manejo. Buenos Aires: INTA, 2008. p. 129-148.
GUEDES, J.C.; ARNEMANN, J.A.; BIGOLIN, M.; PERINI, C.R.; CAGLIARI, D.; STACKE, R.F. Percevejos: revisão necessária. Revista Cultivar, v. 14, p. 22-24, 2012a.
GUEDES, J.V.C.; ARNEMANN, J.A.; STÜRMER, G.R.; MELO, A.A.; BIGOLIN, M.; PERINI, C.R.; SARI, B.G. Percevejos da soja: novos cenários, novo manejo. Revista Plantio Direto, v. 1, p. 28-34, 2012b.