Por Marcelo Sá – jornalista/editor – (MTb 13.9290) 

A alternância salutar de poder

Após a confirmação de que Javier Milei será o novo presidente argentino a partir do próximo dia 10 de dezembro, dúvidas preocuparam produtores, governantes e diplomatas a respeito do futuro das relações com o Brasil. Isso porque Milei defende ideias polêmicas na esfera fazendária e cambial, como abolir o Banco Central e dolarizar a economia. Mas a realidade do poder e a necessidade de apoio interno e externo fez com que o diálogo se encarregasse de acalmar os ânimos, outrora exaltados pela campanha e declarações percebidas como ofensivas à atual gestão federal brasileira.

Como a SNA mostrou em matérias anteriores, a boa relação diplomática e comercial entre os países passou por sobressaltos no decorrer da história, mas se manteve produtiva e pacífica ao longo de mudanças de regime em ambos os lados da fronteira, além de planos econômicos, descompassos ideológicos e até mesmo guerras, quando, por exemplo, o Brasil apoiou formalmente a pretensão territorial argentina sobre as Ilhas Malvinas, embora os britânicos tenham prevalecido no conflito armado que se seguiu.

Como se vê, a trajetória das duas nações é formada muito mais por alinhamentos do que atritos, sobretudo após a formação do Mercosul, que intensificou as transações, impulsionadas pela isenção tarifária do bloco.

Chances de progresso e os riscos das mudanças

Durante décadas, os sucessivos governos argentinos de esquerda e mentalidade intervencionista ajustaram artificialmente o câmbio, aumentaram os gastos públicos e reduziram o poder de compra dos cidadãos, que viram a inflação corroer seus ganhos impiedosamente. Produtores agropecuários recebiam subsídios generosos, mas eram taxados em até 33% nas importações, as infames retenciones. Milei promete acabar com essa manobra de dar com uma mão e tirar com a outra.

A Argentina possui terras férteis e logística apurada para escoamento de safras, sobretudo de grãos. É também uma potência na produção de leite e carnes, sendo que, no caso dos lácteos, é tão pujante a ponto de desestabilizar a indústria brasileira, conforme mostrou o Portal SNA em reportagem recente.  Se Milei conseguir tirar o peso do Estado das costas de setores tão promissores, especialistas acreditam que o país pode dar um salto quantitativo exponencial na produção e exportação dos referidos gêneros alimentícios.

Mas essas mudanças representam, também, um desafio para o novo governo. A dependência do Tesouro argentino causou estagnação nos pampas e endividamento público, o que inviabiliza qualquer ação drástica. Reduzir a inflação é a prioridade, de modo a amenizar a subida doméstica de preços dos produtos outrora subsidiados, para aplacar a impopularidade das outras medidas, já que esses ajustes podem demorar a surtir efeito e gerar desgaste político. O equilíbrio entre as ações determinará o sucesso da gestão e trará desdobramentos, inclusive, para a cadeia produtiva brasileira.

 Política externa, principalmente com o Brasil

Após décadas de governos mais ou menos alinhadas com a matriz peronista, a Argentina elegeu um outsider confessadamente avesso a essa vertente. O choque de acomodação no cargo, entretanto, trará a Milei as premências de lidar com países influentes e poderosos, controlados por regimes e ideologias que ele prometeu combater durante a campanha. China, EUA e o próprio Brasil reconheceram sua vitória, desejaram sorte e prometeram manter boas relações com o país, independentemente de preferências pessoais.

O sucesso agrícola brasileiro se fez possível, em parte, pela falta de concorrência à altura de países vizinhos como a Argentina. Desse modo, produtores nacionais não precisavam competir com mercados igualmente pujantes. Isso não diminui o mérito da agropecuária do Brasil, mas no tocante à crise do leite, ilustra como a competitividade de um único setor estrangeiro minou a indústria em território nacional, que ainda patina para se restabelecer.

Uma Argentina próspera e com plenitude de produção agropecuária, em condições de livre mercado e sem intervenções estatais, pode ser o estímulo que falta aos gestores brasileiros para buscar soluções pendentes, tais como gargalo logístico, desbravamento de novos biomas e flexibilização de leis específicas que inviabilizam grandes porções de terras aptas ao cultivo. Os consumidores sairiam ganhando nessa disputa, que aumentaria a qualidade e quantidade de produtos disponíveis, a preços cada vez mais acessíveis.

Milei, por sua vez, terá que suavizar retórica, a fim de negociar com lucidez acordos pendentes de suma importância e consequências duradouras, tais como a cooperação entre Mercosul e União Europeia, além da entrada da Argentina nos Brics, após aprovação do bloco em sua última reunião de cúpula. A SNA seguirá acompanhando essas movimentações que afetam diariamente a cadeia produtiva da agropecuária nacional.

Fonte: SNA 

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