Por Gustavo Luft-PET Agronomia/UFSM
A soja (Glycine max L.) é a cultura de grãos com maior relevância econômica no Brasil, com cerca de 46 milhões de hectares semeados de Norte a Sul do país (CONAB, 2025). O país assume o protagonismo mundial, tanto nas exportações quanto na produção. Segundo o Acompanhamento da Safra Brasileira (CONAB, 2025), projeta-se que 105,54 milhões de toneladas de soja sejam exportadas em 2025, com base no aumento da produção, estimada em 167,37 milhões de toneladas na atual safra, e da demanda mundial, especialmente da China.
Porém, atualmente, a cultura da soja é uma das mais afetadas pela ocorrência de pragas e doenças durante o seu ciclo produtivo, o que torna o manejo mais oneroso. O aumento da incidência e severidade de doenças foliares, segundo Godoy (2015), se dá em razão do aumento da área plantada, ausência de rotação de culturas e da introdução de novos patógenos, tomando cada vez mais importância dentro do manejo da cultura da soja.
As perdas anuais de produção por doenças são estimadas em 15% a 20%, podendo inclusive chegar a 100% para algumas doenças (Seixas et al., 2020). Sabendo disso, é de responsabilidade dos profissionais da área agronômica ter o conhecimento técnico para formar programas de manejo de doenças, como o posicionamento estratégico de fungicidas, para assim proporcionar ao produtor rural informações que permitam produzir mais com custos otimizados.
Os fungicidas são substâncias químicas de origem natural ou sintética que, quando aplicadas às plantas, protegem-as da penetração e/ou do posterior desenvolvimento de fungos patogênicos em seus tecidos (Reis et al., 2010). Eles atuam interrompendo processos vitais dos patógenos, impedindo sua germinação, crescimento e/ou reprodução. O posicionamento de fungicidas é essencial para garantir a proteção do potencial produtivo da cultura da soja. Faz-se o necessário para dar condições de índice de área foliar adequado para que a planta faça a fotossíntese, logo, produza e acumule fotoassimilados que irão dar origem ao produto final, os grãos.
Segundo Godoy (2015), os principais modos de ação utilizados no controle de doenças na cultura da soja no Brasil (Tabela 1.) são os Inibidores de Desmetilação (IDM, triazóis), os Inibidores de Quinona Oxidase (QoI, estrobilurinas) e, a partir de 2013, a nova geração de moléculas Inibidoras da Succinato Desidrogenase (SDHI, carboxamidas).
O posicionamento dos fungicidas deve ser feito de maneira inteligente e sustentável, para que ocorra o controle das doenças sem que haja a seleção de resistência do patógeno. De acordo com Godoy (2015) a resistência de fungos é um mecanismo de defesa, sendo uma resposta evolutiva natural a uma ameaça externa para sua sobrevivência, nesse caso ao fungicida. Existem estratégias que podem mitigar o aparecimento desse mecanismo, como a rotação de misturas comerciais com produtos que não apresentem resistência cruzada, as conhecidas misturas triplas; a limitação no número de aplicações de um mesmo grupo químico; e a utilização de fungicidas multissítios.
As misturas triplas de fungicidas são combinações de três ingredientes ativos (I.A.) diferentes para o controle das doenças. A principal vantagem da utilização é aumentar o espectro de controle e não instigar uma pressão de seleção para a resistência dos fungos. Já os fungicidas multissítios, afetam diferentes pontos metabólicos do fungo e apresentam baixo risco de resistência, tendo um papel importante no manejo antirresistência para os fungicidas sítio-específicos (McGrath, 2004). Produtos a base de mancozebe e clorotalonil são exemplos clássicos de fungicidas multissítios, amplamente utilizados em diversas culturas.
Além de serem eficazes no controle de uma ampla gama de doenças, os fungicidas multissítios podem ser combinados com produtos de sítio específico para melhorar a proteção das plantas e aumentar a durabilidade das tecnologias disponíveis (Mais Agro, 2025).
Diante das informações apresentadas, quais fatores devem ser considerados para um posicionamento estratégico de fungicidas?
Um dos fatores fundamentais é o momento da aplicação. Quando trata-se de agentes fitopatogênicos, o ideal é o controle preventivo para que não haja, em situações que podem ser evitadas, um aumento do número de aplicações na área. Para isso, sugere-se que haja um protocolo de aplicação de fungicidas, dividido em várias entradas na área.
A primeira entrada na área é a popularmente denominada “Aplicação V0”, que ocorre de 10 a 15 dias após a emergência (DAE), corresponde ao estágio fenológico V3 a V4 (Figura 1) pela escala de Fehr & Caviness (1977). Esta visa alocar o produto de maneira antecipada nas primeiras folhas da cultura da soja para o controle preventivo de manchas foliares, principalmente a mancha-parda (Septoria glycines) e o Crestamento foliar de Cercospora (Cercospora spp.). Vale ressaltar que ambos os patógenos podem estar presentes na área durante todo o ciclo, uma vez que os fungos sobrevivem em restos de cultura (Seixas et al., 2020), frisando a importância de um manejo visando evitar a proliferação desses fungos para o decorrer das safras.
A segunda entrada na área é feita no pré-fechamento das entrelinhas, comumente nomeada de “Primeira Verdadeira”. Denominada deste modo pois, em geral, é a primeira aplicação composta por uma mistura tripla e um protetor, levando produtos “Premium” para a lavoura. Estes itens são os de maior valor agregado no mercado e que, geralmente, apresentam os melhores resultados nos ensaios de pesquisa pelo amplo espectro de controle dos agentes fitopatogênicos. Esse período é o último momento em que ocorre o molhamento efetivo das folhas do baixeiro (terço inferior da arquitetura foliar da planta). Esse momento coincide, em média, entre 30 a 40 DAE, ou V6 a R1.
A reincidência de aplicações de fungicidas na soja pode ir até o final do enchimento de grãos (R5.3 a R5.5). A decisão de demanda por produtos no final do ciclo de desenvolvimento da soja pode variar de acordo com a pressão de doenças de cada lavoura e as condições ambientais de cada área, correspondendo à terceira, quarta, quinta ou mais aplicações de fungicidas, o que exige estratégia, conhecimento técnico e atenção aos detalhes da lavoura.
O intervalo entre as aplicações varia de 10 a 20 dias. Esse fator é de suma importância quando se pensa no protocolo de manejo. O tempo do intervalo recebe forte influência do clima local, tendo em vista que em um ambiente de maiores índices pluviométricos, juntamente com temperaturas em torno de 20 a 30ºC, torna-se um ambiente favorável para o desenvolvimento das doenças.
Logo, preconiza-se que o intervalo entre aplicações seja reduzido. Em contrapartida, observa-se que quando há dias sucessivos com temperaturas muito elevadas (acima de 36ºC), as condições climáticas têm efeito adverso na taxa de crescimento e desenvolvimento da soja, provocando danos à floração e à capacidade de retenção de vagens (EMBRAPA, 2021), assim o período entre as aplicações pode ser estendido.
Em síntese, o posicionamento estratégico de fungicidas na cultura da soja é fundamental para maximizar a produtividade e minimizar perdas causadas por doenças foliares. A adoção de misturas triplas, o uso de fungicidas multissítios e a definição precisa do momento de aplicação são fatores-chave para um manejo fitossanitário mais eficiente. Além disso, a consideração das condições ambientais e do histórico de doenças na área é essencial para tomadas de decisão mais assertivas. Dessa forma, é fato dizer que posicionar bem os fungicidas não é apenas uma escolha, é o caminho que diferencia o lucro do prejuízo.
Sobre os autores:
Gustavo Luft é Acadêmico do 9º semestre do curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria e Bolsista do grupo PET Agronomia E-mail: gustavoluft00@gmail.com
Coautores:
Fábio Pedrazzi de Vargas, Kauê da Cunha Beier, Marcos Paulo Pereira Ribeiro, Renata Vitória Roveda Willrich
Referências bibliográficas:
Referências bibliográficas citadas no texto:
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO (CONAB). Boletim da Safra de Grãos: 6º Levantamento – Safra 2024/25. Brasília, 2025. Disponível em: https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/graos/boletim-da-safra-de-graos. Acesso em: 21/03/2025.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Temperatura. Agência de Informação Tecnológica. 2021. Disponível em: https://www.embrapa.br/agencia-de-informacao-tecnologica/cultivos/soja/pre-prod ucao/caracteristicas-da-especie-e-relacoes-com-o-ambiente/exigencias-climaticas/t emperatura. Acesso em: 25/03/2025.
FEHR, W.R.; CAVINESS, C.E. Stages of soybean development. Ames: Iowa State University of Science and Technology, 1977. Special Report, v. 80. GODOY, C. V. Atualizações no controle de doenças foliares na cultura da soja. Londrina: Embrapa Soja, 2015. Disponível em: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc/1010782/1/Atualizacoesnoco
ntrolededoencasfoliaresnaculturadasoja1.pdf. Acesso em: 20/03/2025.
REIS, E.; REIS, A.; CARMONA, M. Manual de Fungicidas: Guia para o controle químico de doenças. 6ª Edição. Universidade de Passo Fundo: Editora UPF, 2010. SEIXAS, C. D. S.; SOARES, R. M.; GODOY, C. V.; MEYER, M. C.; COSTAMILAN, L. M.; DIAS, W. P.; ALMEIDA, A. M. R. Manejo de doenças. In: SEIXAS, C. D. S.; NEUMAIER, N.; BALBINOT JUNIOR, A. A.; KRZYZANOWSKI, F. C.; LEITE, R. M. V. B. C..
Tecnologias de Produção de Soja. Edição 17. Londrina: Embrapa Soja, 2020, p. 227-264.
SYNGENTA. Tudo sobre fungicidas: história, tipos e aplicações no campo. Mais Agro, 2025. Disponível em: https://maisagro.syngenta.com.br/tudo-sobre-agro/tudo-sobre-fungicidas-historia-ti pos-e-aplicacoes-no-campo/. Acesso em: 21/03/2025.
Universo Agro Galaxy. Fases fenológicas da soja: otimize sua produção. 2021. Disponível em: https://universo.agrogalaxy.com.br/2021/09/10/fases-fenologicas-da-soja/. Acesso em: 25/03/2025
Referências bibliográficas consultadas
ANTONIO, M.; NETO, D.; RODRIGUES, J. D. Avaliação do efeito fisiológico do uso de fungicidas na cultura de soja. Disponível em: <https://repositorio.usp.br/item/001806591>. Acesso em: 26 mar. 2025.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Estádios de desenvolvimento. Embrapa Agência de Informação Tecnológica, 2025. Disponível em: https://www.embrapa.br/agencia-de-informacao-tecnologica/cultivos/soja/pre-producao/caracteristicas-da-especie-e-relacoes-com-o-ambiente/estadios-de-desenvolvime
nto. Acesso em: 25/03/2025.
GODOY, C. V. et al. Eficiência do controle da ferrugem asiática da soja em função do momento de aplicação sob condições de epidemia. Londrina, PR. Tropical Plant Pathology, v. 34, n. 1, 1 fev. 2009. GODOY, C. V. Manejo de Doenças na Cultura da Soja. In: WORKSHOP CTC AGRICULTURA, 16., 2017, Rio Verde. Agricultura – Resultados 2017. Rio Verde: Centro Tecnológico Comigo, 2017.