Erlei Melo Reis, Andrea Camargo Reis, Mateus Zanatta- Instituto AGRIS, Rua Manoel Vargas, 291, CEP 99025-380, Passo Fundo, RS (03 de março de 2021)

Introdução. 

A base da atividade agrícola é claramente expressa na afirmativa de Main (1977) de que os agricultores cultivam a terra para ganhar dinheiro … .

Portanto, para atingir esse objetivo, é grande o desafio e a responsabilidade da pesquisa desenvolver tecnologias que contribuam para a sustentabilidade econômica e ambiental dando ênfase a maximizar os rendimentos, racionalizar os custos, otimizar a renda com qualidade ambiental.

Nesse mesmo sentido, é pertinente a pergunta: o que tem sido ensinado nas Universidades sobre os critérios indicadores do momento da primeira da aplicação de fungicida na cultura da soja é fundamentado na ciência e com suporte em publicações científicas contidas em revistas com classificação Qualis < B2? Behe (1997), lembra que em ciência o que não se publica não foi feito ou não existe!

O objetivo desse texto é lembrar o que está registrado, e ainda válido, nos textos científicos e infelizmente esquecido e pouco divulgado.

Critérios empíricos.

Aplicação ‘zero’, pré-fechamento das linhas de plantio, preventivo e estádio fenológico não têm respaldo científico e, por isso, não foram publicados em revistas com Qualis < B2, e portanto, não ensinados nas Universidades por que tais critérios não asseguram aos produtores o princípio de sustentabilidade econômica e ambiental da atividade agrícola.

Com relação a aplicação no pré-fechamento, reforça-se que o leitor deve estudar o texto: Heiffig, L.S.; Câmara, G.M.S.; Marques, L.A.; Pedroso, D.B.; Piedade, S. M. S. Fechamento e índice de área foliar da cultura da soja em diferentes arranjos espaciais. Bragantia, Campinas, v.65, n.2, p.285-295, 2006. Essa referência leva a conclusão de que nos maiores espaçamentos não ocorre o fechamento e, portanto, “não há a necessidade de aplicação do fungicida”.

Critério científico. O que está escrito e aceito pela ciência (ver referências).

O critério científico considera a afirmativa de Main (1977), o dano e a perda causada pela doença (Nutter & Jenco, 1992).

Autores renomados que trabalharam com o manejo integrado de doenças (Bergamin Filho e Amorim (1996); FAO (1967); Jesus Jr, et al. (2004); Munford & Norton (1984); Zadoks (1985); Zadoks & Schein (1979); Wise et Mueller (2011), introduziram o princípio do Limiar de Dano Econômico (LDE). O LDE corresponde a intensidade da doença na qual o benefício do controle iguala ao seu custo ou, é a intensidade da doença que causa perdas (R$) iguais ao custo do controle (Equação 1). Se o LDE for alcançado, é recomendado o controle da doença, pois, caso seja ultrapassado, as perdas (R$) decorrentes serão irrecuperáveis. Por esse motivo, os fungicidas não devem ser aplicados de forma preventiva (sem doença) ou tardiamente (após o LDE), ou seja, o controle químico das doenças deve ser realizado quando o valor da incidência foliolar atingir o LDE.

LDE = Cc/Cd = 1/1 =1                                (1)

O LDE é calculado utilizando-se a fórmula de Munford & Norton (1984), modificada por Reis et al. (2001) (Equação 2).

ID = Cc/(Pp x Cd) x Ec, na qual,       (2)

ID = intensidade da doença; incidência foliolar ou IF; Cc = custo do controle (R$/ha);

Pp = preço da tonelada da soja (R$/t);

Cd = coeficiente de dano (kg/ha) causado pela ferrugem; e

Ec = eficácia (%) do controle do fungicida fornecido pela pesquisa.

Considerando-se que para o controle econômico das doenças sua intensidade não deve ultrapassar o LDE, a aplicação racional dos fungicidas deve ser feita com um valor de incidência foliolar inferior ao LDE. Sugere-se como limiar de ação (LA) o momento em que a ferrugem for detectada, pelo monitoramento, com < 5% IF.

O valor calculado do LDE não é fixo; varia em função dos valores das variáveis que compõe a sua equação (2).

Equações das funções de dano

Na quantificação dos danos é necessário, em experimentos de campo, gerar o gradiente da doença avaliando sua intensidade em diferentes estádios fenológicos, determinar o rendimento de grãos e estabelecer por análise de regressão, a relação entre o rendimento e a intensidade da doença em diferentes estádios fenológicos. O coeficiente de dano (Cd) é um valor integrante da  função de dano sendo a quantidade de grãos que se deixa de produzir para cada 1,0% de aumento da incidência foliolar da ferrugem em uma determinada produtividade.

Funções de dano para a ferrugem asiática da soja.

Nas equações da função de dano com respectivos coeficientes de dano para o patossistema soja x Phakopsora pachyrhizi obtidas nas cultivares de soja BRS GO 7560 e BRS 246 RR (Danelli et al., 2012) os Cds variaram entre 3,9 a 6,4 kg e para a cultivar BRS 246 RR variaram de 4,7 a 6,67 kg de grãos para cada 1% de incidência foliar (IF), considerando o rendimento normalizado para 1.000 kg/ha.

Uso prático das funções de dano.

 Cc = Custo do controle. Como exemplo, será utilizado um valor estimado de R$ 478,00/ha, com preços tomados em 05/03/21 (considerando o dano do amassamento da lavoura pelo pulverizador, o custo fungicida, do combustível e de salários). O Cc é variável para cada situação e, por isso, o Engenheiro Agrônomo deve calcular o valor correspondente para cada caso.

Pp = Preço da tonelada de soja R$150,00/60 kg, ou R$2.500,00/tonelada, tomado na Cotrijal em 05/03/21, Não-Me-Toque, RS.

Cd = Tomado do coeficiente de dano da função de dano ‘R = 1.000 kg/ha – 6,7 kg para cada 1% de IF, onde ‘R’ é o rendimento de grãos, normalizado para 1.000 kg/ha e ‘IF’ a incidência foliolar da ferrugem (Danelli et al., 2012). Nesse caso, o Cd = 6,7 kg para cada tonelada de grãos de soja produzido. Convertendo para tonelada (t), R= 1,0 – 0,0067 t/1% IF.

Ec = eficácia do controle. Nesse exercício tomou-se dois valores atualizados da eficácia dos fungicidas obtida no Ensaio Nacional Cooperativo e produtos com eficácia de 50 e de 80%, ou 0,5 e 0,8% (Reis et al., 2021).

Rp = rendimento potencial da lavoura (kg/ha) o qual deve ser ajustado ao Cd, pelo cálculo Cd x Rp.

Por exemplo, uma lavoura com Rp = 3.800 kg/ha ou 3,8 t/ha, o Cd = 3,8 t/ha x 0,0067 t/ha

= 0,02546. Lembra-se que cada lavoura terá um rendimento diferente que deve ser ajustado pelo Cd.

ID = intensidade da doença (ferrugem)

Substituindo os valores na fórmula, ID = [Cc/(Pp x Cd)] x Ec, tem-se:

  1. Para um fungicida com Ec de 80%, ou 0,8: ID = [478,00/(2.500 x 0,02546)] x 0,8

ID = (478,00/63,65) x 0.8 ID = 7,5 x 0.8 = 6,0%

ID = LDE = 6,0% IF

  1. Para um fungicida com Ec de 50%, ou 0,5%: ID = 7,5 x 0,5 = 3,75%

ID = LDE = 3,75% IF

Observe que quanto menor for a eficácia do fungicida menor o LDE, isto é, mais cedo deve ser aplicado e, como consequência, maior número de aplicações e maior custo.

Com o LDE calculado de 6,0 IF, a perda (R$) devido ao dano (kg/ha) da ferrugem é de R$ 478,00/ha. Essa incidência da ferrugem pode ocorre independentemente do estádio fenológico e do ‘fechamento das linhas’.

Por princípio, a primeira aplicação do fungicida deve ser feita antes da incidência da ferrugem alcançar o LDE, por isso deve ser aplicado no limiar de ação (LA). Em observação as indicações das tecnologias (Reunião, 2016) soja que indica que a primeira aplicação deve ser feita quando detectada a ferrugem, se propõem um valor <5% IF, portanto um valor numérico inferior e seguro em relação do LDE de 6,0%.

Portanto, lembra-se que nesse exemplo o LDE de 6,0% não deve ser ultrapassado. Essa é a quantidade máxima da doença tolerável economicamente.

Considerações finais

A assistência técnica tem a disposição critérios empíricos e um científico que podem ser seguidos na tomada de decisão quanto ao momento da aplicação de fungicidas na cultura da soja. Infelizmente, o LDE é um critério científico que exige do Eng. Agrônomo monitoramento constante de doenças. Monitorar a ferrugem e calcular o LDE não é tarefa para ser executada pelo produtor. É, sim, decisão técnica realizada pelo Agrônomo treinado em epidemiologia e apto para identificar e quantificar doenças (fitopatometria). Unicamente, com base no monitoramento confirma-se que a ferrugem está presente na lavoura; não sendo, assim, realizado controle preventivo ou protetor, que por sua vez não leva em conta a presença de doença e nem o custo do controle (Wise & Mueller, 2011). O critério do LDE também não está atrelado a um determinado estádio fenológico da planta ou ao pré-fechamento das linhas.

Para determinadas situações de cultivo (reação do genótipo, condições de clima, presença de inóculo) algumas doenças podem não atingir nível de dano, e assim, o custo da aplicação pode não ser coberto pelo ganho de rendimento ou pela lucratividade, sem contar que houve aplicação desnecessária de agrotóxico no meio ambiente.

A aplicação de fungicidas visando ao controle da ferrugem asiática da soja pode ser feita com racionalidade seguindo-se o rigor da ciência.

Algumas considerações extraídas de Zadoks & Schein (1979) sobre a evolução das estratégias de controle de doenças de plantas merecem ser relembradas:

  • “Os aspectos econômicos e a pressão ambiental determinaram um novo direcionamento nas estratégias de controle de doenças e de pragas”.
  • “Esse novo enfoque (novo em 1979?), conscientizou pesquisadores de que se deve manter a doença em intensidade sub-econômica, um elemento chave do controle”.
  • “Para cada doença em cada cultura se deve determinar a intensidade tolerável da doença. No período de 1930 a 1960, a doutrina martelada nas mentes dos agricultores pelos cientistas, agentes de extensão e vendedores, era de que a lavoura deveria ser mantida sem nenhum sintoma de doenças. Isso não é necessário e é antieconômico”.
  • “Como resultado deste ‘novo’ enfoque, em 1968 foi proposto pela FAO (1967) o conceito de manejo integrado de doenças de plantas (MID)”.
  • Portanto, o “propósito do controle da doença é prevenir para que o dano causado não exceda o nível de lucro – LDE”.
  • O nível da doença (sua intensidade) deve ser mantido abaixo do
  • “A análise econômica do processo de manejo de doenças é fundamental na tomada de decisão quanto ao momento do controle”.
  • “O LDE é a quantidade de doença que justificaria o custo da medida artificial de controle”.
  • O LDE é a quantidade máxima de doença tolerada economicamente numa
  • “A ciência agronômica tem a obrigação de quantificar os danos causados pelas doenças em qualquer cultura e determinar o LDE”.

O gatilho (peça que detona o tiro em arma-de-fogo) para aplicação de fungicida numa cultura se chama ‘momento’.

Qual o gatilho para a aplicação de fungicida no pré-fechamento da folhagem na cultura da soja? Quantos centímetros entre as folhas de linhas paralelas? Qual o gatilho para o critério início da doença? Que valor de severidade ou de incidência? Qual o gatilho para preventivo? Se nesse caso a doença deve estar ausente, o fungicida pode ser aplicado em qualquer momento que satisfaça essa condição. Qual o gatilho para estádio fenológico? Ao atingir aquele estádio, por exemplo, floração, se aplica não considerando a doença e sua intensidade.

O tempo passa e os critérios sem fundamento científico vão sendo mudados; novas propostas vão surgindo, no entanto, a “ciência busca a verdade e sendo encontrada prevalecerá” (Behe, 1997).

Salienta-se que no critério econômico e ambientalmente sustentável, desenvolvido científica e racionalmente, considera aspectos técnicos com amostragem, diagnose, fitopatometria; danos e eficiência do fungicida; econômicos: perdas, custo do controle, preço do produto e relação custo-benefício; e ambientais (dano ao ambiente). Portanto, satisfaz o conceito de manejo integrado de doenças (FAO, 1967), além de considerar também a reação do cultivar as doenças: sendo suscetível, a intensidade da doença, pode ser maior, e se resistentes, menor. Por conseguinte, o dano decorrente depende da quantidade de doença e a quantidade depende da reação do cultivar. Desse modo, em cultivar suscetível, é maior a probabilidade de atingir o limiar de ação. Caso contrário, se o nível de resistência é suficiente para evitar dano econômico, a epidemia pode não atingir o LDE. Nesse caso, o fungicida somente é aplicado se a doença alvo estiver presente numa intensidade que cause perda menor do que o custo do controle.




Referências

BEHE, M. A caixa preta de Darwin. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editora Ltda. 300p., 1997.

BERGAMIN FILHO, A.; AMORIM, L. Doenças de plantas tropicais: epidemiologia e controle econômico. São Paulo: Agronômica Ceres, 1996. 289 p.:il.

DANELLI, A.L.D.; REIS, E.M.; BOARETTO, C. Critical-point model to estimate yield loss caused by Asian soybean rust. Summa Phytopathologica, v.41, n.4, p.262-269, 2015.

FAO. Report of the first session of the F.A. O. Panel of experts on integrated pest control. F.A. O. Meeting Report. No. PL/1967/M/7. Annals, Rome.

JESUS JUNIOR, W.C., VALE, F.X.R. & BERGAMIN FILHO, A. Quantificação de Danos e Perdas. In: VALE, F.X.R., JESUS JUNIOR, W.C. & ZAMBOLIM, L. Epidemiologia aplicada ao manejo de doenças de plantas. Belo Horizonte: Ed. Perfil, 2004. pp. 273-203.

MAIN, C.E. Crop destruction – the raison d’être of plant pathology. In: HORSFALL, J.G. & COWLING, E.B. (Ed.) Plant disease an advance treatise. How disease is managed. New York. Academic Press. pp 55-78. 1977.

MUNFORD, J.D.; NORTON, G.A. Economics of decision making in pest management. Annual Review of Entomology, Palo Alto, v.29, p.157-174, 1984.

NUTTER, F.W., TENG, P.S.; ROYER, M.H. Terms and concepts for yield, crop loss, and disease thresholds. Plant Disease 77: 211-215. 1993.

REIS, E.M.; ZANATTA, M.; REIS, A.C. Reduced asian soybean rust control by commercial fungicides co-formulations in the 2018-2019 growing season in Southern Brazil. Journal of Agricultural Science, v. 13, n. 4; 2021. ISSN 1916-9752 E-ISSN 1916-9760.

REUNIÃO DE PESQUISA DE SOJA DA REGIÃO SUL (41.: 2016 : Passo Fundo, RS) Ata e

resumos [recurso eletrônico] / editores técnicos, José Roberto Salvadori, Benami Bacaltchuk. – Passo Fundo : Ed. Universidade de Passo Fundo, 2016. 6.280Kb; PDF Modo de acesso: < http://www.rpspassofundo.com.br/index.html>

WISE, K.; MUELLER, D. Are fungicides no longer just for fungi? An Analysis of Foliar Fungicide Use in Corn. APSnet Features. doi:10.1094/APSnetFeature-2011-0531, 2011

ZADOKS, J. C. On the conceptual basis of crop loss assessment: the threshold theory. Annual Review of Phytopathology 23:455-473. 1985.

ZADOKS, J.C.; SCHEIN, R.D. Epidemiology and plant disease management. New York Oxford University Press, 1979. 427p.

‘Esta é mais uma contribuição científica do Instituto Agris em prol da sojicultura gaúcha’

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.