Fatores ambientais e climáticos podem interferir no crescimento e desenvolvimento da soja, exercendo maior ou menor influência sobre ela dependendo da intensidade e período de ocorrência sobre a cultura. Em resposta a esses fatores, uma situação observada a campo é a abertura e apodrecimento dos legumes de soja, sendo esse, um fenômeno que pode causar redução qualitativa e quantitativa na soja.
Sendo assim, deve-se compreender esse fenômeno a fim de evitar sua influência na cultura da soja, possibilitando menor redução da produtividade e qualidade dos grãos ou sementes produzidos.
Pensando nisso, a Equipe Mais Soja entrevistou a Professora Dra. Solange Maria Bonaldo, Doutora em Fitopatologia (Esalq/USP) e professora da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT/Campus Sinop, visando trazer informações sobre as principais causas desse fenômeno, bem como sua interferência na produtividade da soja.
Confira a entrevista a baixo:
Mais Soja: Nos últimos dias recebemos frequentes relatos sobre a abertura e apodrecimento de legumes no Mato Grosso, este “novo“ fenômeno pode ser atribuído a quais fatores?
Solange Maria Bonaldo: O apodrecimento de vagens observado na cultura da soja no Mato Grosso, está correlacionado principalmente ao efeito do ambiente no desenvolvimento e na fisiologia da cultura.
Os sintomas de apodrecimento de vagens ocorrem principalmente em vagens onde há abortamento de sementes (Figuras 1 e 2). Este abortamento de sementes pode acontecer até mesmo na fase final de enchimento de grãos, e isso acontece devido ao desbalanceamento na relação fonte/dreno, não existindo um padrão de abortamento; ou seja, pode ocorrer em sementes em qualquer posição nas vagens. Com a elevada umidade e temperaturas mais amenas no mês de janeiro no médio norte de Mato Grosso, após o abortamento começa a ocorrer o crescimento de fungos nas vagens e sementes abortadas, (Figura 3).

Figura 1. Sintoma inicial de abortamento de sementes (círculo branco) observado em vagens de soja, safra 2020/2021, Mato Grosso.

Figura 2. Interior da vagem com três sementes, uma semente abortada na posição 2 e início do processo de apodrecimento.

Figura 3. Vagem com três sementes e apresentando sinais de crescimento fúngico.

Figura 4. Interior de vagem com três sementes e sementes abortadas em diferentes estágios de desenvolvimento, nas posições 1 e 3, apresentando crescimento micelial.
A Clínica de Diagnose de Doenças de Plantas da Universidade Federal de Mato Grosso/Campus Sinop, recebeu na safra 2019/2020, um total de 46 amostras apresentando os sintomas de apodrecimento nas vagens. Na safra 2019/2020 os sintomas foram observados principalmente em regiões com ocorrência de estresse hídrico (veranico) e em plantas mais altas, com desfolha do baixeiro e terço médio.
Além das vagens e grãos, analisou-se o sistema radicular destas amostras e observou-se comprimento médio de 11,6cm, com mínimo de 8 cm e máximo de 17 cm, sendo que 76% das amostras das raízes de plantas com apodrecimento de vagens e grãos apresentaram crescimento de Macrophomina sp., fungo naturalmente encontrado em solos cultivados e amplamente distribuído.
Plantas infectadas por Macrophomina sp. sofreram com falta de água ou excessivo calor e, apresentam desbalanço na relação fonte/dreno devido ao comprometimento do sistema radicular, não conseguindo absorver e transportar água em volume e momento adequado quando do enchimento de grãos da cultura.
A infecção por Macrophomina sp. ocorre em função da predisposição da planta ao patógeno, sendo que esta infecção é favorecida por:
- Solos com alta densidade (solos compactados, condição esta observada no sistema radicular de várias amostras da safra 2019/2020;
- Solos sob elevada temperatura (acima de 50°C, na superfície, nas horas mais quentes do dia) e;
- Déficit hídrico (como por exemplo, veranico que foi observado na safra 2019/2020) que desfavorece o hospedeiro (soja) e os microrganismos benéficos presentes no solo.
É importante ainda lembrar que a compactação favorece a ocorrência de todas as doenças causadas por patógenos presentes no solo (afetando o sistema radicular), e que altas temperaturas diminuem a síntese de fitoalexinas em soja (mecanismos de defesa da planta) o que pode inclusive levar a maior severidade de doenças foliares, como por exemplo, cercosporiose.
Nas amostras recebidas na safra 2020/2021 observou-se claramente o efeito do estresse hídrico que ocorreu em algumas regiões do Mato Grosso, fato este que levou a um atraso no início do plantio, bem como comprometeu o estabelecimento radicular das plantas (devido as altas temperaturas na superfície do solo) (Figuras 5 e 6), predispondo as mesmas a infecção por Macrophomina sp. e nematoides. Ou seja, a presença de Macrophomina sp. nas raízes, é por nós utilizada como biondicador do estresse ambiental, no caso da safra atual, déficit hídrico e altas temperaturas no momento de implantação das lavouras.

Figura 5. Efeito da época de plantio no desenvolvimento vegetativo e reprodutivo de plantas de soja com sintomas de abortamento de sementes e podridão de vagens.
Amostras de plantas de soja de mesma cultivar e manejo da área, que diferiram somente na data de plantio, apresentaram variação na incidência de vagens com podridão e sementes abortadas. Plantas cujo plantio foi realizado em 16/10/20 sob condições de estresse hídrico e altas temperaturas apresentam sistema radicular “pobre”, com presença de Macrophomina sp. e alta incidência de sementes abortadas e vagens com podridão. Plantas semeadas em condição de menor estresse ambiental (25/10/20) apresentam menor incidência da anomalia (Figura 5).
Sintomas de abortamento de sementes e podridão de vagens também foram observados na safra atual, em áreas de plantio irrigado. Nas análises em laboratório e visita em campo observou-se a presença de Macrophomina sp. nas raízes, indicando problemas no manejo da irrigação durante o estabelecimento e condução da cultura.
MS: É um problema localizado ou mais abrangente? Geograficamente é possível definir uma região de maior ocorrência?
SMB: A ocorrência de apodrecimento de vagens na cultura da soja no Mato Grosso é um problema mais abrangente, sendo observado principalmente em cultivares de alto teto produtivo e em regiões onde ocorreu estresse hídrico durante o cultivo.
Na safra 2019/2020, a Clínica de Diagnose de Doenças de Plantas da UFMT/Campus Sinop recebeu amostras sintomáticas dos municípios de Claudia, Diamantino, Feliz Natal, Ipiranga do Norte, Sorriso, Nova Ubiratã, Nova Mutum e Matupá.
Na safra atual, foram recebidas até o momento amostras dos municípios de Claudia, Sinop, Sorriso, Juara, Nova Mutum e Feliz Natal. Observa-se que o problema atinge regiões que apresentaram atraso no plantio em função do déficit hídrico que ocorreu no início da safra 2020/2021, principalmente na região médio norte do estado de Mato Grosso.
MS: Já se tem uma quantificação das possíveis perdas, com base na experiência e análises de casos similares registrados em anos anteriores?
SMB: A ocorrência dos sintomas de apodrecimento de vagens e sementes em soja no estado de Mato Grosso é geralmente observada em cultivares de alto potencial produtivo e hábito de crescimento indeterminado. Estes sintomas são observados em R5.1 (grãos perceptíveis ao tato, equivalente à 10% da granação) a R5.5 (Granação de 76 a 100%) causando redução de produtividade de até 30% na safra atual, bem como afetando a qualidade de grãos.
MS: Há preocupação com as safras seguintes? Quais fatores convergentes potencializam o problema?
SMB: Sim, o problema pode ocorrer em safras futuras uma vez que está correlacionado com condições ambientais, especialmente déficit hídrico e altas temperaturas. Dentre os fatores que potencializam o problema podemos destacar ocorrência de compactação, ausência de palhada que pode levar a altas temperaturas na superfície do solo (fato evidente na safra 2020/2021, principalmente no início de desenvolvimento da cultura da soja, Figura 6), ocorrência de veranicos, sucessão de culturas e baixa diversidade de microrganismos benéficos no solo. Estes fatores podem predispor a cultura da soja a fitopatógenos presentes no solo e isto contribuir para menor absorção de água e nutrientes, comprometendo o desenvolvimento da cultura.
Figura 6. Temperaturas máximas diárias na superfície do solo no período de 21/10/20 a 17/11/2020. Matupá/MT. Fonte: WGM AgriSollutions (2021).
MS: A abertura dos legumes, são causados por patógenos ou os patógenos passam a infectar após os danos nos tecidos? Quais patógenos podem estar associados?
SMB: Os patógenos passam a infectar após os danos nos tecidos. Em vagens e grãos são encontrados Colletotrichum spp., Fusarium sp., Cercospora sp., Phoma sp. e Phomopsis sp. Porém com maior frequência nas amostras é observado a presença de Colletotrichum spp. e Phoma sp., fungos estes considerados oportunistas, sapróbios ou endófitos da própria planta.
MS: Quais seriam as dicas para minimizar, prevenir ou controlar esta abertura prematura de legumes?
SMB: Inicialmente os produtores devem buscar o diagnóstico correto do fator que está causando o problema na sua lavoura. Se a causa for abiótica (estresse hídrico, por exemplo), os produtores devem adotar estratégias de manejo do solo que evitem a compactação, adoção de rotação de culturas, uso de condicionadores de solo e microrganismos benéficos. Solos bem preparados permitem que as raízes tenham melhor distribuição e sejam mais profundas; além de reter mais umidade, favorecendo a planta e os microrganismos benéficos presentes neste solo.
Além disto, recomenda-se aos produtores a semeadura com teores adequados de umidade no solo, manejo adequado da irrigação em pivô, bem como determinar o espaçamento entre linhas e número de plantas/m mais adequado para o nível de fertilidade do seu solo, uma vez que a redução de plantas na linha permite maior engalhamento das mesmas, contribuindo para preservação do terço inferior das plantas e exposição das folhas a luz.
Redação: Equipe Mais Soja
Foto de Capa: Prof. Solange Maria Bonaldo