O Brasil possui um enorme potencial para a produção de combustíveis verdes, como o biodiesel e o etanol. Esses biocombustíveis colocam a frota nacional de veículos para rodar a um custo ambiental menor, gerando menos emissões de gases causadores do efeito estufa e reduzindo a dependência do petróleo, um recurso caro e finito.
Recentemente, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) autorizou mais um aumento de 1% na mistura do biodiesel no diesel mineral de petróleo, passando a valer em setembro deste ano. Assim, a proporção de biodiesel no diesel na bomba do posto de gasolina passa a ser 11%. A decisão vem na esteira da Resolução 16, de 29 de outubro de 2018 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que dispõe sobre a evolução da adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel vendido ao consumidor final no Brasil. A medida estabelece o aumento de 1% por ano no percentual mínimo de adição obrigatória de biodiesel até 2023, quando chegaríamos ao B15, isto é, 15% de biodiesel na mistura.
A rigor, a mistura B15 já está autorizada, sendo 11% o percentual mínimo. Fica a cargo da distribuidora de combustíveis optar pelo teor de mistura, uma vez que já foram realizados os testes em veículos que validaram que percentuais até 15% não prejudicam os motores.
Essa medida tem impacto direto no mercado de soja, uma vez que a oleaginosa corresponde a 75% das matérias-primas utilizadas na produção do combustível verde (em 2019, o grão participou com 70%. Em outros anos, este percentual já foi superior a 80%). Segundo o economista Luiz Eliezer Ferreira, do Departamento Técnico Econômico (DTE) da FAEP, dos 35 milhões de hectares ocupados pela soja no Brasil, 5 milhões seriam destinados à produção de biodiesel, mais de 14% da produção nacional. Desta forma, para dar conta do aumento de 1% na mistura seriam necessários cerca de 540 mil hectares de soja adicionais (mantendo a proporção da oleaginosa no conjunto de matérias-primas).
“Vale lembrar que quando transformada em biocombustível, a soja passa a ter um valor agregado muito maior do que teria se fosse exportada em grão. Logo de começo, ela precisa ser esmagada para produção de óleo, o que resulta em uma torta rica em proteína, que pode ser destinada à ração animal”, analisa Ferreira.
Essa percepção vai ao encontro de um estudo produzido pela Embrapa Agroenergia sobre o tema. Segundo o pesquisador da instituição Bruno Laviola, na comparação entre o valor obtido pela soja exportada em grão e a destinada ao biodiesel, haveria uma agregação de valor da ordem de 84%. “Isso significa que, se eu vendo a soja em grão por R$ 100, terei um acréscimo de R$ 84 ao utilizar essa mesma soja para produzir biodiesel”, afirma Laviola.
Para se ter ideia da força da relação entre soja e biodiesel, este ano a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos vegetais (Abiove) estima que, das 43 milhões de toneladas de soja esmagadas para produção de óleo, 20 milhões serão destinadas exclusivamente à produção de biodiesel. “Isso [destinação de soja para o biodiesel] significa um parque industrial fortalecido e dinâmico. O produtor rural tem mais opções de venda. Não fica sujeito apenas à demanda do mercado internacional. Quando temos produtos para o mercado interno, como farelo e óleo, nossa indústria continua ativa, comprando, fazendo os contratos de financiamento”, observa o economista-chefe da Abiove, Daniel Amaral. “No fundo isso se reflete em uma segurança maior para o produtor rural vender a soja”.
É bom destacar que esta demanda adicional não vai impactar outras cadeias que também tem na soja um importante insumo. “Graças a investimentos em tecnologia e a expansão da área de produção em outras regiões do Brasil, teremos oferta suficiente para atender à demanda do B15”, afirma Ferreira, do DTE da FAEP. “Vale lembrar que os índices de produtividade vêm crescendo nas últimas décadas”, completa o economista.
Segundo Laviola, da Embrapa, a opção pela soja se explica pela grande disponibilidade no cenário brasileiro. “A palma, dentre as oleaginosas, é a que tem o óleo de menor custo, só que não é produzida em escala suficiente para atender à demanda. O mesmo ocorre com a canola”, explica o pesquisador. Enquanto cada hectare de soja rende 500 quilos de óleo por hectare, a canola rende 1,2 mil quilos. “A disponibilidade e o custo da matéria prima são de suma importância para a tomada de decisão”, avalia.
A disponibilidade de matéria-prima (no caso a soja) pode explicar a distribuição da produção brasileira de biodiesel. A maior região produtora é o Centro-Oeste do país, onde também se concentra a produção brasileira de grãos. Segundo a Abiove, em 2018, a região respondeu por 2,21 bilhões de litros do combustível. Em segundo lugar vem a região Sul, com 2,19 bilhões de litros, dos quais 597,3 milhões foram produzidos no Paraná.
O Estado conta com quatro usinas em operação. A BSBios, localizada em Marialva, na região Norte, produziu 270,7 milhões de litros de biodiesel no ano passado. De acordo com o presidente da companhia, Erasmo Batistella, para atender à adição de 1% na mistura do B11 será necessário um acréscimo de 600 a 700 milhões de litros do biocombustível. Para suprir esta demanda, o executivo vê potencial em outras fontes de óleo vegetal e também das gorduras animais, que são a segunda matéria-prima mais utilizada na produção do biodiesel. “Estudos apontam que o Brasil irá aumentar a produção de carnes. Consequentemente haverá maior sobra de gorduras também”, analisa.
Em 2016, a BSBios foi responsável por mais de 35% do PIB de Marialva. A empresa tem como princípio buscar seus suprimentos no raio mais próximo possível, valorizando a produção local. Na opinião de Batistella, a cadeia do biodiesel proporciona ganhos em diversas áreas. “Além da geração de emprego e renda no Brasil, quando utilizamos o óleo, destinamos o farelo para os pecuaristas. Com isso aumenta oferta de alimento. Com a produção ajudamos a equilibrar a balança comercial, pois importamos menos óleo. Outro benefício é o ambiental”, afirma, referindo-se à redução nas emissões de gases causadores do efeito estufa proporcionada pelo uso do combustível verde. Desde que o programa de biodiesel foi iniciado no Brasil, em 2005, já foram evitadas as emissões de 70 milhões de toneladas de CO2.
Entrada do B11 irá impulsionar investimentos bilionários
Hoje, o Brasil é o segundo maior produtor de biodiesel do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. Em 2018, as usinas brasileiras produziram 5,35 bilhões de litros do combustível verde. A partir deste ano, com a entrada em vigor do B11, a produção deve saltar para mais de 6 bilhões de litros, neste primeiro momento.
Nos anos seguintes, com a adição de 1% por ano até chegar ao B15 em 2023, a estimativa é um salto de produção para mais de 10 bilhões de litros. De acordo com o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, Marcos Fava Neves, “para atingir o B15 o Brasil precisa de mais 12 unidades industriais, gerando empregos e renda, além de investimentos de mais de R$ 1,2 bilhão. E, ainda, cerca de 15 milhões de toneladas de soja adicionais, também gerando investimentos estimados em R$ 3,8 bilhões”, avalia.
Outra perspectiva neste cenário é a criação de um marco regulatório para o bioquerosene, combustível semelhante ao biodiesel utilizado em aeronaves. Segundo o diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donizete Tokarski, hoje não há produção deste combustível em solo brasileiro, mas é uma realidade nos Estados Unidos e países da União Europeia.
Segundo Tokarski, o mercado do bioquerosene é do mesmo tamanho do mercado do querosene fóssil. “Em 2018, o Brasil consumiu 7 bilhões de litros de querosene fóssil, uma parte disso importado”, afirma.
Neste cenário da possível abertura de um novo segmento, todo conhecimento já existente no âmbito da produção de biodiesel poderá favorecer a utilização do produto, com uma vantagem adicional. “O biodiesel é semelhante ao diesel mineral na composição. Já a molécula do bioquerosene é idêntica à molécula do querosene fóssil”, afirma Tokarski.
Ainda, na opinião do executivo da Ubrabio, é importante que a sociedade compreenda a importância dos biocombustíveis, como o biodiesel e o bioquerosene. “Cada litro de biocombustível que a gente produz aqui é um litro que o Brasil não precisa importar. Temos que fortalecer as políticas de produção para reduzir custos, verticalizar a produção, gerando mais riqueza no interior do país e mais estabilidade energética”, avalia. “A entrada do B11 mostra que o biodiesel não é política de governo, mas uma política de Estado”, finaliza.
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