A cigarrinha-do-milho, Dalbulus maidis (Hemiptera: Cicadellidae), é uma das mais importantes pragas do milho na América Latina (MENESES et al., 2016). Relatos de campo indicam uma ocorrência crescente dessa praga na região Sul do Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul, onde sua incidência costumava ser menor. Apesar de ocasionar danos diretos pela sucção de seiva das plantas de milho, o principal dano associado a esse inseto é a transmissão persistente e propagativa de dois fitopatógenos da classe dos molicutes: o espiroplasma (Spiroplasma kunkelii – CSS – corn stunt spiroplasma), causador do enfezamento pálido; e o fitoplasma (MBSP – maize bushy stunt phytoplasma), causador do enfezamento vermelho; além de uma virose, o vírus-da-risca-do-milho (MRFV – maize rayado fino virus) (NAULT, et al., 1980; NAULT, 1990).
As fêmeas de cigarrinha realizam a oviposição no interior dos tecidos foliares das plantas de milho, formando linhas paralelas às nervuras. Essa espécie apresenta cinco ínstares ninfais, sendo que a duração destes depende da temperatura e do genótipo da planta hospedeira (OLIVEIRA et al., 2018). Alguns estudos apontam que a duração do período ninfal pode variar de 24 a 27 dias em temperaturas próximas à 26ºC. Já em temperaturas de 10ºC, a fase ninfal da cigarrinha-do-milho pode durar até 115 dias (ZURITA et al., 2000). Os insetos adultos apresentam maior longevidade em temperaturas amenas (±15ºC) e menor em temperaturas elevadas (±32ºC) (OLIVEIRA et al., 2018). Estudos demonstram que a longevidade média dos adultos varia de 51 a 77 dias (TSAI, 1988).
Figura 1. Plantas de milho com sintomas foliares associados ao complexo de enfezamentos, em Santa Maria-RS (2021).
Foto: Henrique Pozebon
A relação entre patógeno (molicute) e vetor (cigarrinha), por ser do tipo persistente e propagativa, apresenta quatro períodos bem definidos. O primeiro período é denominado de período de aquisição, e corresponde ao tempo de alimentação do vetor na planta infectada necessário para que o inseto adquira o patógeno. Após a obtenção dos molicutes, faz-se necessário um determinado tempo para que o patógeno colonize os tecidos internos do inseto vetor, até atingir as glândulas salivares, momento em que o inseto estará apto a transmiti-lo; esse período é denominado período de incubação ou latência. Já o período de inoculação diz respeito ao tempo que o vetor deve se alimentar em uma planta sadia para que haja a transmissão do patógeno. Por fim, o período de retenção refere-se ao tempo que o inseto permanece capaz de transmitir os enfezamentos (NAULT, 1997; MASSOLA JÚNIOR et al., 2001).
A duração dos períodos de tempo para aquisição, latência, inoculação e retenção dos molicutes no inseto vetor é variável para cada patógeno e dependente da temperatura (Tabela 1). Não há evidências de transmissão transovariana (ou seja, do inseto fêmea para sua prole) para os três patógenos (OLIVEIRA et al., 2018).
Tabela 1 – Período de tempo para aquisição, latência, inoculação e retenção dos molicutes em cigarrinha-do-milho.
Patógeno | Aquisição | Latência | Inoculação | Retenção | Referências |
CSS
(enfezamento pálido) |
1 hora | 17-23 dias | 1 hora | 42 dias | ALIVIZATOS et al., 1986; NAULT, 1980. |
MBSP
(enfezamento vermelho) |
2 horas | 22-28 dias | 0,5 horas | 29-48 dias | LEGRAND et al., 1994; NAULT, 1980. |
MRFV
(vírus da risca) |
6 horas | 8-22 dias | 8 horas | 20 dias | PANIAGUA et al., 1976; GONZALES et al., 1974; BRADFUTE et al., 1980 |
Fonte: adaptado de OLIVEIRA et al., 2018.
Como a cigarrinha-do-milho é vetor dos dois molicutes (CSS e MBSP), é comum observar plantas de milho com sintomas característicos de ambos os enfezamentos, sendo por essa razão utilizado o termo “complexo de enfezamento”. Além disso, devido à complexidade da sintomatologia, a diagnose dos enfezamentos necessita de análises mais refinadas para ser realizada de forma mais assertiva (MASSOLA JÚNIOR, 2001). A expressão dos sintomas do complexo de enfezamento varia entre genótipos, havendo materiais que possuem maior ou menor sensibilidade a essas doenças. Ainda assim, pode-se destacar como sintomas característicos dessa infecção a redução no porte das plantas, o perfilhamento e a proliferação de espigas ou multiespigamento (Figura 2).
Figura 2 – Planta de milho com sintoma de multiespigamento ocasionado pelo complexo de enfezamentos, em Santa Maria-RS (2021).
Foto: Henrique Pozebon
O manejo da cigarrinha-do-milho é complexo, visto que a praga é favorecida pelo sistema produtivo brasileiro onde “pontes verdes” atuam no estabelecimento e aumento populacional da praga, principalmente em áreas de milho cultivadas na segunda safra (MENESES et al., 2016).
Desta forma, deve-se dar preferência à utilização de genótipos que demonstrem menor sensibilidade ao complexo de enfezamentos, além da realização de tratamento de sementes e pulverizações foliares visando o controle desta praga (OLIVEIRA et al., 2018). Tendo em vista que o milho é o único hospedeiro da cigarrinha D. maidis, e que esse inseto é o único vetor dos molicutes causadores de enfezamento, a eliminação das “pontes verdes” (por exemplo, evitando cultivos tardios de milho e eliminando plantas guaxas na entressafra) pode contribuir para reduzir a pressão de população da praga na safra subsequente.
Contribuição: Rafael Paz Marques, Mestrando PPGAgro
Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
REFERÊNCIAS
ALIVIZATOS, A. S.; MARKHAM, P. G. Acquisition and transmission of corn stunt spiroplasma by its leafhopper vector Dalbulus maidis. Annals of Applied Biology, Warwick, v. 108, p. 535-544, 1986.
BRADFUTE, O. E.; NAULT, L. R.; GORDON, D. T.; ROBERTSON, D. C.; TOLER, R. W.; BOOTHROYD, C. W. Identification of maize rayado fino virus in the United States. Plant Disease, Saint Paul, v. 64, p. 50-53, 1980.
GONZALES, V.; GÁMEZ, R. Algunos factores que afectam la transmisión del virus del rayado fino del maíz por Dalbulus maidis DeLong & Wolcott. Turrialba, San Jose, v. 24, n. 1, p. 51-57, 1974.
LEGRAND, A. I.; POWER, A. G. Inoculation and acquisition of maize bushy stunt mycoplasma by its leafhopper vector Dalbulus maidis. Annals of Applied Biology, Warwick, v. 125, p. 115-122, 1994.
MASSOLA JÚNIOR, N.S. Enfezamentos vermelho e pálido: Doenças em milho causadas por molicutes. Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 22, n.2, p. 237-243, 2001.
MENESES, A.R; QUERINO, R.B.; OLIVEIRA, C.M.; MAIA, A.H.N; SILVA, P.R.R. Seasonal and vertical distribution of Dalbulus maidis (Hemiptera: Cicadellidae) in Brazilian corn fields. Florida Entomologist, v. 99, n. 4, p. 750-754,2016.
NAULT L.R. Evolution of an insect pest: maize and the corn leafhopper, a case study. Maydica 35: 165–175, 1990.
NAULT L.R.; DELONG D.M. Evidence for co-evolution of leafhoppers in the genus Dalbulus(Cicadellidae: Homoptera) with maize and its ancestors. Annals of the Entomological Society of Americav.73, n. 4, p. 349–353,1980.
NAULT, L.R. Arthropod transmission of plant viruses: a new synthesis. Annals of the Entomological Society of America, v.90, n. 5, p.521-541, 1997
OLIVEIRA, C.M.; SÁBATO, E.O. Estratégias de manejo de Dalbulus maidis, para o controle de Enfezamentos e Virose na cultura do milho. In PAES, M.C.D.; VON PINHO, R.G.; MOREIRA, S.G. Soluções integradas para os sistemas de produção de milho e sorgo no Brasil.XXXII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, p. 748-777, 2018.
PANIAGUA, R.; GÁMEZ, R. El virus del rayado fino del maiz: estudios adicionales sobre la relación del virus y su insecto vector. Turrialba, San Jose, v. 26, p. 39-43, 1976.
TSAI, J. H. Bionomics of Dalbulus maidis (DeLong & Wolcott): a vector of mollicutes and virus (Homoptera: Cicadellidae). In: MARAMOROSCH, K.; RAYCHAUDHURI, S. P. (Ed.). Mycoplasma diseases of crops: basic and applied aspects. New York: SpringerVerlag,p. 209-221, 1988.
ZURITA, Y. A.; ANJOS, N.; WAQUIL, J. M. Aspectos biológicos de Dalbulus maidis (DeLong & Wolcott) (Hemiptera: Cicadellidae) em Híbridos de Milho (Zea mays L.). Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, Jaboticabal, v. 29, p. 347-352, 2000.