O trigo faz parte da dieta dos seres humanos há milhares de anos e até hoje é uma das principais culturas alimentares em todo o mundo. É o grão que ocupa a maior área de cultivo, em 2020 chegou a 219 milhões de hectares plantados, 760 milhões de toneladas produzidos [1] e cerca de 20% das calorias e proteínas adquiridas para a nutrição humana em todo o mundo é proveniente deste cereal [2,3], sendo fundamental para a segurança alimentar mundial.
Origem do trigo
Há aproximadamente, 10 mil anos, numa região conhecida como crescente fértil (norte do Irã), houve o cruzamento entre duas espécies de plantas: Triticum turgidum e Aegilops tauschii, dando origem a planta que hoje chamamos de trigo (Triticum aestivum) [4] e que faz parte da vida dos seres humanos desde àquela época.
No entanto, o trigo como conhecemos nem sempre teve essa aparência. A planta ancestral era mais alta, pouco produtiva e continha baixas concentrações de glúten, o que dificultava a produção de pães.
Após séculos de cultivo e domesticação (melhoramento genético) a espécie T. aestivum passou a ter as características que vemos hoje [5,6]. Os principais motivos que fizeram com que o trigo fosse amplamente adotado pelos nossos ancestrais, foram:
- Alta adaptabilidade ambiental;
- Qualidade nutritivas;
- Presença do glúten, que proporcionou diversificação no uso de sua farinha.
Dessa forma, o cultivo do trigo gradualmente passou a predominar em torno de seu centro de origem e se expandiu para várias regiões do globo. Hoje, existem mais de 50 mil cultivares de trigo registradas em bancos de germoplasmas pelo mundo e que são muito diferentes de seu ancestral [5].
A produção de trigo no mundo
Os maiores produtores de trigo no mundo são: China, Índia, Rússia, Estados Unidos, Canadá, França, Paquistão e Ucrânia. A organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) tem alertado que a guerra entre Rússia e Ucrânia deve afetar a produção e distribuição de cereais, entre eles o trigo o qual representam 14% do que é produzido no mundo. Ambos os países respondem por 28% de todo trigo que é exportado [7].
O Brasil produz cerca de 50% de todo o trigo que consome, uma vez que, por ser uma planta de clima frio, a produção ainda é concentrada em estados da região Sul e Sudeste – em média alcança os 5 milhões de toneladas ao ano. O restante é importado, principalmente, da Argentina.
Nesse sentindo, para superar os desafios de produção e evitar a necessidade de exportação desse alimento, o desenvolvimento de novas cultivares de trigo adaptados às diversas regiões de cultivo se faz necessário.
A mais nova semente de trigo é um evento transgênico e promete ser uma tecnologia fundamental para superar os desafios de abastecimento outros decorrentes das mudanças climáticas.
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Conheça o trigo transgênico
A nova planta de trigo, tecnologia desenvolvida pela empresa Bioceres, recebeu o nome de IND-ØØ412-7 ou HB4. O nome faz referência ao nome do gene HaHB4 (Helianthus annuus Homeobox 4) que foi inserido no genoma do trigo.
Essa sequência específica de DNA foi encontrada no genoma do girassol (Helianthus annuus) e é responsável por conferir à planta tolerância a estresse ambiental, entre eles a falta de água ou seca. Além desse gene, também foi adicionado ao genoma do trigo o gene bar originário da bactéria Streptomyces hygroscopicus e que confere resistência ao herbicida glufosinato [8].
Ambos os genes são conhecidos e muito estudados, inclusive com relação a sua segurança alimentar, nutricional e ambiental. Além disso, outras plantas transgênicas, como a de soja, possuem esses genes e já são cultivadas e comercializadas no Brasil.
Com relação à biossegurança do trigo transgênico, as pesquisas são realizadas desde 2000 e comprovaram a equivalência do evento transgênico às cultivares não transgênicas. Isso significa que todas as características da planta foram mantidas, com exceção daquelas adicionadas [8.9].
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Dessa forma, o trigo HB4 apresenta duas novas características que não são encontradas em nenhuma outra cultivar de trigo – tolerância à seca e resistência ao glufosinato. Os produtores que escolherem plantar essa semente irão se beneficiar com aumento de produtividade e economia de água, mesmo se houver períodos secos (falta de chuva). A nova tecnologia garante aumento de até 20% da produtividade do trigo durante os períodos de estiagem [2,8,9].
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Liberação do trigo transgênico no Brasil
O primeiro país a conceder aprovação para cultivo e consumo do trigo HB4 foi a Argentina, fato ocorrido em 2020 [10]. No Brasil, foi submetido um pedido de liberação apenas para o único propósito de uso em alimentos, rações e produtos derivados ou processados.
Após avaliação, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou em 11 de novembro de 2021 a comercialização da farinha de trigo transgênico no país. Vale destacar que a liberação não permite o cultivo do trigo HB4 no Brasil.
O melhoramento genético tem garantido a produção de trigo
Apenas no Brasil são mais de 470 cultivares de trigo registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para cultivo. Quando os melhoristas desenvolvem novas cultivares, mais adaptadas a diferentes regiões, a produtividade dessas plantas é aumentada.
Com isso, é possível produzir mais em menos espaço. Veja a evolução da produção e área plantada do trigo no mundo nos últimos anos:
Essa área poderia ser muito maior se não fosse o melhoramento genético entregando características como:
- Resistência às principais doenças;
- Tolerância à acidez do solo;
- Maior tolerância ao acamamento (queda da planta);
- Qualidade tecnológica de grãos para diferentes usos;
- Ciclo mais precoce;
- Folhas mais eretas.
Dessa forma, é possível atender à demanda de produção sem que haja a necessidade de grandes expansões em área de plantio. Ou seja, o melhoramento genético é uma importante ferramenta para sustentabilidade da agricultura e o trigo transgênico HB4 é a mais nova tecnologia para aumento de produtividade frente aos desafios da humanidade.
Além disso, o trigo transgênico tolerante ao estresse hídrico, se for cultivado no Brasil, abre caminho para que, no futuro, regiões, hoje impróprias para o plantio dessa cultura, tornem-se viáveis e, consequentemente, contribuam para a autossuficiência da produção nacional do cereal.
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Principais fontes
- FAO. Countries by commodity. Disponível em: https://www.fao.org/faostat/en/#data/QCL/visualize. Acesso em: 13/04/2022.
- ISAAA. Rust-resistant Wheat. Pocket k n. 60, 2021.
- Shiferaw, B., et al. Crops that feed the world 10. Past successes and future challenges to the role played by wheat in global food security. Food security, 2013.
- Balfourier, F., et al. Worldwide phylogeography and history of wheat genetic diversity. Genetics, 2019.
- Mourad, A. M. I., Belamkar, V. and Baenziger, S. Molecular genetic analysis of spring wheat core collection using genetic diversity, population structure, and linkage disequilibrium. BMC genomics, 2020.
- Souza, T., et al. The 10,000-Year Success Story of Wheat! Foods, 2021.
- FAO. The importance of Ukraine and the Russian Federation for global agricultural markets and the risks associated with the current conflict. 2022.
- Ayala, F., et al. Compositional equivalence of event IND-ØØ412-7 to non-transgenic wheat. Transgenic Research, 2019.
- CTNBio. Audiência pública CTNBIO – Trigo HB4. Disponível em: http://ctnbio.mctic.gov.br/documents/566529/2279701/Palestra+Bioceres/9958dc8f-2dcb-4c87-be50-8489debeae71?version=1.0. Acesso em: 01/12/2021.
- Bioceres Crop Solutions Corp. Announces Regulatory Approval of Drought Tolerant HB4® Wheat in Argentina. Disponível em: https://investors.biocerescrops.com/news/news-details/2020/Bioceres-Crop-Solutions-Corp.-Announces-Regulatory-Approval-of-Drought-Tolerant-HB4-Wheat-in-Argentina/default.aspx. Acesso em 14/04/2022.