Autor: Dr. Argemiro Luís Brum

As cotações do trigo, em Chicago, foram as que apresentaram as maiores oscilações durante a semana. O bushel do cereal chegou a atingir o recorde histórico de US$ 14,25 no dia 07/03, recuando sensivelmente para US$ 10,73 no fechamento da quinta-feira (10), e ficando bem abaixo do valor de uma semana antes, que foi de US$ 12,89. Assim, mesmo com o recuo momentâneo em Chicago, o quadro comercial mundial, para o cereal, é de grande preocupação. Afinal, o trigo é um dos produtos mais atingidos pelo conflito armado entre Rússia e Ucrânia, pois estes dois países representam 30% das exportações mundiais do cereal.

Além disso, tivemos o relatório de oferta e demanda do USDA, neste último dia 09/03, com o mesmo indicando a manutenção da produção e dos estoques finais estadunidenses para 2021/22. No entanto, houve aumento na projeção da produção mundial, a qual passou a 778,5 milhões de toneladas, enquanto os estoques finais foram elevados para 281,5 milhões. A produção da Argentina foi mantida em 20,5 milhões de toneladas, enquanto a brasileira permaneceu em 7,7 milhões. Ao mesmo tempo, enquanto o relatório mantinha os volumes de produção da Rússia e Ucrânia, respectivamente em 75,2 e 33 milhões de toneladas, houve importante recuo nas suas capacidades de exportação. Agora a Rússia exportaria 32 milhões de toneladas, contra 35 milhões indicados em fevereiro, enquanto a Ucrânia venderia ao exterior 20 milhões de toneladas, contra 24 milhões projetados no mês anterior. No somatório dos dois países, são sete milhões de toneladas exportadas a menos. Neste contexto, o preço médio aos triticultores estadunidenses, neste ano comercial 2021/22, ficaria em US$ 7,50/bushel, ou seja, em linha com o que Chicago vem indicando atualmente.

Dito isso, a consultoria agrícola russa SovEcon ainda aponta exportações russas de trigo ao redor de 33,5 milhões de toneladas para este ano, embora o volume total venha paulatinamente sendo reduzido conforme avança a guerra com a Ucrânia. Segundo a referida empresa, a Rússia teria exportado 27,7 milhões de toneladas de trigo entre julho/21 e fevereiro/22.

Por sua vez, no Brasil, os preços do trigo igualmente dispararam. A média gaúcha, no balcão, pela primeira vez na história, atingiu a R$ 95,10/saco, em termos nominais, havendo regiões produtoras que estão pagando R$ 100,00/saco. No Paraná, os preços médios fecharam a semana oscilando entre R$ 100,00 e R$ 105,00/saco ao produtor.

O quadro começa a ficar dramático no que diz respeito aos preços aos consumidores, pois logo adiante haverá repasses aos preços finais. Mesmo assim, a Anec projeta embarques de trigo brasileiro em um total de 502.600 toneladas no mês de março, sendo que em março do ano passado não houve exportações do produto. Neste contexto, as vendas externas de trigo brasileiro podem somar 2,12 milhões de toneladas no acumulado do primeiro trimestre do corrente ano, volume quase o dobro do praticado no mesmo período do ano passado. Com a disparada dos preços internacionais, ocorre maior demanda pelo produto brasileiro, o qual geralmente não é aproveitado integralmente no mercado interno, caso do trigo gaúcho. Todavia, este aperto na oferta nacional elevará ainda mais os preços do cereal, pressionando a inflação ao consumidor. Nossas exportações ocorrem agora em função de negócios fechados ainda no ano passado, após a safra recorde e um Real muito desvalorizado.



Enquanto isso, internamente os moinhos estão relutando em repassar integralmente o aumento dos preços internacionais do cereal, ao produtor brasileiro. Os preços do trigo nacional sobem porque as importações brasileiras aumentaram sensivelmente de preço, mesmo com um câmbio ao redor de R$ 5,00/saco. Assim, o preço pago na importação puxa o preço do produto nacional no mercado interno. O fato é que os acontecimentos inesperados, motivados pela guerra no Leste Europeu, estão comprometendo a disponibilidade interna de trigo e as margens dos moinhos. O Brasil deverá, a qualquer preço, importar um total de 6,7 milhões de toneladas de trigo no atual ano comercial. Analistas privados apontam que o Brasil só terá trigo disponível para negociação até, no máximo, meados de abril ficando, posteriormente, na dependência do produto importado. (cf. SoneX)

Por outro lado, conforme já comentado no boletim passado, este comportamento de mercado tende a elevar a área semeada com trigo no Brasil para este ano 2022, contrariando a tendência de redução que havia até então, motivada, esta, pela forte alta nos custos de produção desde o ano passado. Neste sentido, a Fecoagro anunciou nesta semana que o custo de produção da nova lavoura de trigo gaúcha, baseado no valor de R$ 100,00/saco do produto, sobe 14,5% sobre o custo calculado em fevereiro, exigindo que o produtor gaste 45,08 sacos por hectare para pagá-lo. Ou seja, lucro com o trigo apenas com uma produtividade média acima deste patamar. E, para isso, será preciso um clima muito favorável.

Enquanto isso, muitos moinhos estão pressionando para que a cota de importação de trigo, de países de fora do Mercosul, venha a ser isentada por um período, a fim de que as importações tenham preços um pouco menores. Atualmente, o setor no Brasil, um dos maiores importadores globais de trigo, paga uma taxa de 10% para importações que excedem uma cota de 750.000 toneladas ao ano isenta de tarifa. Em 2020, quando a oferta apertou no Mercosul, a indústria brasileira foi contemplada com uma cota adicional, o que elevou o volume anual isento de taxa para 1,2 milhão de toneladas.

Os Estados Unidos são, em geral, os maiores fornecedores do Brasil fora do Mercosul, e tendem a se beneficiar de uma cota adicional sem tarifa. Os moinhos brasileiros adquirem a maior parte de suas necessidades dos parceiros comerciais Argentina, Uruguai e Paraguai, que vendem com isenção de taxa. Em 2020, quando a cota extra vigorou, o Brasil importou 733.000 toneladas dos EUA, além de 237.000 toneladas da Rússia, e outras 115.000 toneladas do Canadá, com os países do Mercosul respondendo pela maior parte da oferta externa adicional. Naquele ano, o Brasil importou 6,16 milhões de toneladas, segundo dados do governo. Já em 2021, quando o Brasil colheu uma safra recorde, as importações dos EUA somaram somente 90.000 toneladas, enquanto os russos venderam 28.000 toneladas, com a Argentina ficando com quase 5,5 milhões de toneladas.

O Brasil praticamente não compra trigo da Rússia e não registra importações do produto ucraniano, mas um eventual aperto na oferta brasileira, devido a guerra, está preocupando o setor moageiro nacional. Afinal, o trigo argentino igualmente disparou de preço, balizado que é pelas cotações em Chicago.

Ora, o preço do trigo chegou a subir mais de 40% no mercado mundial desde que a guerra começou, em 24 de fevereiro passado. Assim, mesmo que o Brasil não encontre problemas de abastecimento, os preços do cereal e seus derivados vão disparar no mercado interno.

Para se ter uma ideia do problema, neste início de semana foram identificados negócios entre R$ 2.070,00 e R$ 2.100,00/tonelada, no Rio Grande do Sul. Isso equivale a preços entre R$ 124,20 e R$ 126,00/saco a nível de indústria. Por enquanto, os moinhos do Paraná e do Rio Grande do Sul afirmam não conseguir operar em níveis de paridade com o exterior, alegando dificuldade em repassar esses preços para a farinha. De qualquer forma, os preços atuais nas regiões de produção do país já superam os do início da guerra em quase 15%, operando em níveis recordes. (cf. Abitrigo)


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Fonte: Informativo CEEMA UNIJUI, do prof. Dr. Argemiro Luís Brum (1)

1 – Professor Titular do PPGDR da UNIJUI, doutor em Economia Internacional pela EHESS de Paris-França, coordenador, pesquisador e analista de mercado da CEEMA (FIDENE/UNIJUI).

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