O manejo adequado de plantas daninhas é essencial para criar um ambiente propício ao crescimento e desenvolvimento das culturas, eliminando a competição por recursos essenciais causado pela presença de plantas daninhas. Uma espécie que tem gerado preocupações em lavouras de soja é a Euphorbia heterophylla. A Euphorbia heterophylla L. é popularmente conhecida no Brasil por diversos termos populares, tais como leiteiro, amendoim-bravo, leiteira, café-do-diabo, diabo do leiteiro, entre outros. Sua reprodução ocorre por meio de sementes, e a sua presença é amplamente difundida nas principais regiões agrícolas do país, sobretudo nos sistemas de produção de grãos, incluindo na cultura da soja (Adegas et al., 2020).
É uma espécie originária das regiões tropicais e subtropicais do Continente Americano, sua presença é notável ao norte e ao sul da linha do equador, destacando-se como planta daninha em mais de 40 países. Trata-se de uma planta anual, herbácea e ereta, podendo atingir alturas entre 20 cm e 2 m, dependendo das condições de desenvolvimento. Caracteriza-se pela produção abundante de látex branco, presente tanto nas partes vegetativas quanto reprodutivas da planta (Rizzardi).
Figura 1. Leiteiro (Euphorbia heterophylla).
Essa espécie é capaz de passar por várias gerações em um único ano, por apresentar um ciclo relativamente curto, que vai desde a emergência até a frutificação. Apresenta um bom desenvolvimento em solos férteis e úmidos, além de possuir alta capacidade de rebrotar quando exposto a herbicidas de contato. Devido à sua rápida reprodução e crescimento, essa planta daninha apresenta um elevado grau de competitividade em relação às culturas anuais, competindo por água e nutrientes (Embrapa). Conforme destacam Trezzi et al. (2014), o leiteiro tem potencial de causar prejuízos significativos na cultura da soja, com perdas diárias de grãos podendo atingir de 5,2 Kg ha-1 a 6,5 Kg ha-1.
Dentre as características biológicas que dificultam o controle do leiteiro, destacam-se o rápido crescimento inicial, a emergência em fluxos, a grande produção de sementes e a capacidade de rebrota. Os fluxos de emergência, estão relacionados com condições de temperatura do solo e radiação solar, sendo que temperaturas entre 25° e 30° C estimulam a germinação dessa espécie (Trezzi et al., 2014).
De acordo com Adegas et al. (2020), antes da introdução da soja geneticamente modificada para resistência ao herbicida glifosato, a soja RR, a E. heterophylla era considerada uma das principais, se não a principal, planta infestante da cultura, devido às características específicas da espécie, como o longo prazo das sementes, o alto potencial de germinação em maiores profundidades de solo e o rápido crescimento vegetativo.
O autores destacam que a partir da safra 2005/2006, com a introdução da soja transgênica, o manejo de populações de E. heterophylla foi significativamente facilitado. O controle dessa espécie passou a ser realizado, quase que exclusivamente com duas a três aplicações de glifosato em pós emergência, contudo, esse sistema de manejo, com a utilização repetida de um mesmo mecanismo de ação e ingrediente ativo, gerou uma pressão de seleção de espécies resistentes ao herbicida.
O primeiro registro de resistência do leiteiro no Brasil ocorreu em 1993, aos inibidores da Acetolactato Sintase (ALS), especificamente aos ingredientes ativos clorimuron-etil, cloransulam-metil, imazamox, imazaquin e imazethapir, na cultura da soja. Posteriormente em 2004, surgiu o caso de resistência múltipla a dois mecanismos de ação, aos inibidores da Acetolactato Sintase (ALS) e aos inibidores da Protoporfirinogênese Oxidase (PROTOX). Essa resistência abrange diversos ingredientes ativos, incluindo acifluorfeno, cloransulam-metil, diclosulam, flumetsulam, flumiclorac-pentil, fomesafen, imazethapir, lactofen, metsulfuron-metil, nicosulfuron e saflufenacil, na cultura da soja e milho.
Em 2019, foi registrado o caso de resistência de E. heterophylla ao glifosato, inibidores da Enolpiruvil Shiquimato Sintase (EPSP’s) (Heap, 2023). A ocorrência desses casos de resistência, principalmente após o caso de resistência ao glifosato, tem representado um desafio em relação ao manejo dessa planta daninha, uma vez que restringe o emprego de herbicidas, exigindo abordagens mais cuidadosas e específicas para o controle eficiente do leiteiro.
Dada a complexidade e os impactos que a Euphorbia heterophylla pode ocasionar, o manejo deve preconizar pela integração de diferentes métodos com o objetivo de reduzir as populações em áreas de cultivo. No que diz respeito ao controle químico, é fundamental realizar uma intervenção no momento adequado. O pesquisador Rizzardi (2023), destaca que o controle deve ser realizado em estádios iniciais da planta, preferencialmente até 4 folhas, para que o controle seja eficiente e minimize os potenciais danos ocasionados pelo leiteiro nas lavouras.
O Comitê de Ação a Resistência aos Herbicidas (HRAC-BR, 2021), destaca a importância da necessidade de adoção das boas práticas agrícolas recomendadas. Tais práticas são fundamentais para preservar, de maneira eficiente, as diferentes ferramentas disponíveis para o manejo de plantas daninhas, a fim de prevenir novos casos de resistência aos herbicidas e promover uma agricultura mais sustentável. Dentre as medidas, destacam-se:
- Uso correto do sistema integrado de manejo de controle de plantas daninhas;
- Adoção de sementes certificadas e nacionais, não somente de culturas como milho e soja, mas também de forrageiras de inverno, de forma a evitar o ingresso de plantas daninhas nas áreas agrícolas;
- Limpeza dos maquinários, utilizados na semeadura e colheita das áreas com suspeita, que transitam para outras áreas e, ou outros estados;
- Redobrar atenção para áreas com falha de controle, priorizando a eliminação das plantas daninhas sobreviventes, seja manual ou através do uso de herbicidas de mecanismo de ação alternativos, fazendo-se da adoção da rotação dos diferentes mecanismos de ação;
- Uso correto de tecnologias de aplicação, bem como o uso dos diversos mecanismos de ação para os herbicidas, em pré e pós emergência, nos corretos momentos e de acordo com sua recomendação;
- Manejar as plantas daninhas antecipadamente e antes do plantio, evitando o pousio sem cultura e, ou sem formação de cobertura de solo (HRAC – BR, 2021).
No vídeo a seguir, o pesquisador Mauro Rizzardi fala sobre essa problemática planta daninha e aborda estratégias para o seu controle e manejo na cultura da soja.
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Referências:
ADEGAS, F. S. Euphorbia heterophylla: UM NOVO CASO DE RESISTÊNCIA AO GLIFOSATO NO BRASIL. Embrapa, comunicado técnico, 98. Londrina – PR, 2020. Disponível em: < https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1121045/1/ComTec98.pdf >, acesso em: 21/11/2023.
EMBRAPA. LEITEIRA, AMENDOIM-BRAVO (Euphorbia heterophylla L.). Embrapa Milho e Sorgo, Panorama Fitossanitário, Cultura do Milho. Disponível em: < http://panorama.cnpms.embrapa.br/plantas-daninhas/identificacao/folhas-largas/leiteira-amendoim-bravo-euphorbia-heterophylla-l >, acesso em: 21/11/2023.
HEAP, I. BANCO DE DADOS INTERNACIONAL DE ERVAS DANINHAS RESISTENTES A HERBICIDAS. On-line, 2023. Disponível em: < https://www.weedscience.org/Pages/Species.aspx >, acesso em: 21/11/2023.
HRAC – BR. COMUNICADO DE RESISTÊNCIA: REFERENTE AO RELATO DE RESISTÊNCIA DE Euphorbia heterophylla A HERBICIDA DO GRUPO DOS INIBIDORES DA EPSPS (GRUPO G). Comitê de Ação a Resistência aos Herbicidas, 2021. Disponível em: < https://www.hrac-br.org/_files/ugd/48f515_7aad8246908f471487523e1a4429f4be.pdf >, acesso em: 21/11/2023.
RIZZARDI, M. A. PLANTAS DANINHAS: LEITEIRA. UpHerb, Academia das Plantas Daninhas. Disponível em: < https://upherb.com.br/int/leiteira >, acesso em: 21/11/2023.
TREZZI, M. M. et al. IMPACTO ELEVADO: PREJUÍZOS CAUSADOS PELO LEITEIRO NA SOJA. Revista Cultivar, ed. 183, ano XV, 2014. Disponível em: < https://revistacultivar.com.br/revistas/grandes-culturas/183 >, acesso em: 21/11/2023.
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