Autor: Jackson E. Fiorin; Doutor em Ciência do Solo, Pesquisador da CCGL publicado no BOLETIM TÉCNICO CCGL PESQUISA E TECNOLOGIA, nr: 68, de fevereiro de 2019. ISSN 2317-7934
CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
Nas últimas décadas, têm sido frequentes as manifestações de técnicos e produtores sobre a ocorrência do “enrugamento” ou “encarquilhamento” de folhas de soja em lavouras conduzidas sob plantio direto na região do Planalto do Estado do RS, problema que aparece após a emergência e durante o desenvolvimento das plantas e reduz o crescimento vegetativo. Os sintomas visuais nas folhas são típicos de toxidez de manganês e se manifestam principalmente na fase inicial do desenvolvimento através de clorose nas margens dos folíolos e enrugamento (Figura 1), com consequente redução no crescimento da planta, o que em condições severas pode reduzir a produtividade. A ocorrência desses sintomas na lavoura não segue um padrão definido, sendo na maioria das vezes em faixas ou reboleiras. Embora os sintomas tenham sido mais frequentes em alguns anos do que em outros, o histórico das lavouras tem evidenciado que a área de ocorrência tem aumentado ao longo dos anos.
Figura 1. Sintomas de enrugamento das folhas em plantas de soja. Foto: Cortesia Flávio Schadeck.
INTERPRETAÇÂO (*)
Essa situação não tem sido um problema somente dos produtores de soja do RS. Vários relatos de ocorrência também são oriundos de produtores de soja do PR e SP, porém, um fato curioso chama a atenção: a maioria dos casos relatados e pesquisados aconteceu em solos provenientes do basalto. Outra constatação é que existe grande variabilidade de resposta quando se comparam diferentes cultivares de soja. Ou seja, cada uma reage de forma diferente, havendo algumas que são muito suscetíveis e outras, aparentemente, imunes.
É importante ponderar, também, que a toxidez de manganês é muitas vezes descartada como a causa dos sintomas. Essa afirmativa é baseada nos teores de manganês encontrados no solo e nos tecidos das plantas, interpretados como não suficientes para causar toxicidade. Entretanto, essas análises são realizadas posteriormente ao aparecimento dos sintomas, situação em que a planta já pode ter “experimentado” uma alta disponibilidade de manganês no solo, mesmo que por um período curto. Diante disso, provavelmente as análises dos teores de manganês no solo e no tecido vegetal apresentam dificuldade de comprovar a sua relação com a ocorrência dos sintomas. Outro aspecto pode ser atribuído ao fato de que a análise de solo em laboratório utiliza-se de solo seco e moído, caracterizando a disponibilidade do manganês no solo num momento pontual e em condições diferentes das quais a planta pode ter experimentado na fase inicial do desenvolvimento.
A disponibilidade de manganês no solo é dependente, entre outros fatores, do pH do solo. Os solos do sul do Brasil são originalmente ácidos (baixo pH). Quando a acidez estiver associada à presença de alumínio e/ou manganês, em níveis capazes de provocar distúrbios fisiológicos nas plantas, a produtividade das culturas é limitada (FIORIN, 2007).
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Os solos do Planalto do Estado do RS, na sua maioria predominantemente Latossolos argilosos, são formados a partir de basalto e ricos em manganês. Esses solos, em condições naturais de acidez, associadas normalmente a um pH em água menor que 5,0, apresentam teores de manganês elevados, em geral tóxicos às plantas de soja. Essa toxidez, segundo Escosteguy et al. (2006) e Fiorin (2015), era comum nas décadas passadas, pois a prática da calagem não era difundida. O excesso de manganês em solo ácido é facilmente corrigido pela elevação do pH através da calagem. Ao aumentar o pH, o excesso de manganês disponível é precipitado e com isto a absorção pela planta é reduzida.
CAUSAS DA TOXIDEZ
A interação das propriedades físicas e químicas do solo na zona de crescimento radicular, bem como o efeito da compactação na disponibilidade de manganês e ocorrência de toxidez na cultura da soja, têm sido abordados por Escosteguy et al. (2006) e Fiorin (2015). Segundo os autores, o +2manganês é absorvido na forma de cátion divalente (Mn ) da +2solução do solo, o qual encontra-se em equilíbrio com o Mn ligado (adsorvido) às partículas do solo, de onde é reposto +2para a solução (Mn trocável), à medida que é absorvido pelas plantas. Em condições normais de solo, quando há disponibilidade mínima de oxigênio (aeração) no solo e/ou acrés+2cimo do pH, o Mn é transformado (oxidado) para a forma trivalente (MnO) ou tetravalente (MnO), formas estas que a 2 3 2 planta não absorve.
Segundo Escosteguy et al. (2006), em solos ricos em manganês total, como os Latossolos argilosos e os Nitossolos do Planalto do RS, a falta de aeração do solo (resultado da compactação), a acidez, ou qualquer outro fator que favorece a redução do manganês para a forma +2divalente (Mn ), estará induzindo a toxidez deste elemento em plantas sensíveis.
Segundo Fiorin (2015), é perceptível que as plantas de soja após a emergência têm um crescimento radicular facilitado na camada mais superficial, no entanto após um certo período de tempo encontrarão uma camada mais adensada com menor porosidade e aeração. Se, nesta condição, o solo tiver certa umidade (poros parcialmente ocupados por água), e ocorrer alguma precipitação adicional, por 2 ou 3 dias, a raiz poderá experimentar uma condição de falta de oxigênio (solo saturado) que de forma temporária vai promover um processo de redução nos solos, gerando grandes quantidades de manganês solúvel e, portanto, tóxico, na camada mais adensada e pela qual o sistema radicular está “tentando” atravessar. Devido a isso, depois de 25 a 35 dias, aparecerão sintomas na parte aérea, através de clorose dos folíolos e/ou o enrugamento, característicos da toxidez de manganês, resultante de uma condição de redução de manganês por falta de oxigênio, que ocorreu anteriormente e de forma temporária.
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Analisando a ocorrência desses sintomas na lavoura sem um padrão definido, sendo na maioria das vezes em manchas ou faixas e em outras de forma aleatória, torna-se difícil a compreensão total do problema. Difícil também é medir o que a raiz de fato “experimentou” ao atravessar uma camada de solo adensado. Esta condição de estresse pode variar em intensidade e profundidade, no espaço (lavoura) e no tempo (ao longo do ciclo), independente da condição de acidez (pH) do solo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, e em consonância com o atual cenário no qual predominam as práticas intensas de uso do solo, agravadas pelo elevado número de operações com máquinas na lavoura (muitas vezes em condições de umidade favoráveis à compactação do solo), associado a um sistema plantio direto deficiente (com ausência de rotação de culturas) e que não garante qualidade física aos solos necessária para o adequado crescimento e desenvolvimento radicular, é previsível que cada vez mais serão frequentes as situações de ocorrência de sintomas de toxidez de manganês na cultura da soja.
É oportuno mencionar que podem existir diferenças quanto à tolerância das cultivares ao excesso de manganês e pouco se conhece sobre o comportamento das cultivares recentemente lançadas ao mercado. Nesse sentido, torna-se importante uma reflexão quanto às estratégias de manejo do solo e das culturas, objetivando uma recuperação da qualidade estrutural do solo, o que pode contribuir para a minimização da ocorrência do enrugamento de folhas de soja.
LITERATURA CONSULTADA
ESCOSTEGUY, P.A.V.; KLEIN, V.A.; CERINI, J.B. & MACHADO, M.E. Toxidez de manganês em soja. Rev. Plantio Direto, 95, Passo Fundo, p.28-37, set/out. 2006. FIORIN, J.E. Recomendações de calagem. In: FIORIN, J.E. Manejo e fertilidade do solo no sistema plantio direto. Passo Fundo: Berthier. 2007. p.35-50. FIORIN, J.E. Toxidez de manganês em soja induzida pela compactação do solo. Boletim Técnico, 26, Cruz Alta: CCGL TEC. Ago 2015. 11p.
(*) Resultados estão sujeitos à variação em virtude das condições locais e ambientais. Para obter informações específicas para sua operação, entre em contato com o técnico de sua cooperativa ou com os profissionais da CCGL