O que está acontecendo com a eficácia dos fungicidas sítio-específicos usados no controle da ferrugem asiática da soja (FAS) desde a safra 2005/06 não pode ser esquecido. Qual seria o impacto negativo na eficácia do controle da FAS pela eliminação do mercado dos multissítios e a consequente redução da produtividade da soja e do lucro dos produtores? Devido a indispensável e eficiente contribuição, como armas contra a resistência, os multissítios terão substitutos?
Área cultivada com soja no Brasil, safra 2019/20, foi de aproximadamente 36,8 milhões de hectares (Conab, 2020). A totalidade dessa área é atacada pela FAS causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi Sydow & Sydow. Sendo a doença mais importante da cultura, seus danos deveriam ser rotineiramente estimados em lavouras comerciais em função da densidade de urédias, ou da densidade de lesões, ou da incidência e ou da severidade foliolar (Danelli et al., 2012).
A principal medida de controle da FAS tem sido o uso de fungicidas sítio-específicos IDMs (triazóis), IQes (estrobilurinas) e ISDHs (carboxamidas) presentes no mercado com vários nomes comerciais, formulações, isolados e em misturas duplas ou triplas. Estes fungicidas modernos, usados em baixa dose, apresentando menor toxicidade e por serem sítio-específicos (uni-sítios, mono-sítios) são vulneráveis ao desenvolvimento da resistência (Ishii & Hollomon, 2015).
Em face dos fungicidas sítio-específicos dominarem o mercado, pode estar ocorrendo um ciclo vicioso de introdução no mercado de novas moléculas, com o mesmo mecanismo de ação (IDM, IQe, ISDH) sítio-específico, uso repetido em larga escala (área e número de aplicações), desenvolvimento da resistência, abandono do uso do fungicida pela baixa eficiência e introdução de novas moléculas com os mesmos modo de ação. Pelo uso único e contínuo dos sítio-específicos, em misturas duplas ou triplas, esse ciclo vicioso pode ser desacelerado?
Pelo exposto, os fungicidas penetrantes-móveis (erroneamente chamados de sistêmicos), sítio-específicos, tem apresentado vida efetiva curta, isto é, o número de safras consecutivas em que o tratamento com fungicida mantém controle efetivo da doença (Ishii & Hollomon, 2015). No Brasil, para o controle da FAS, os IDMs, ou triazóis, isolados foram usados em cinco safras até o surgimento da resistência. Para as misturas duplas de IDM + IQes a vida efetiva dos IQes estendeu-se até 2012 e a vida efetiva dos ISDHs foi de três safras, tomando como exemplo a mistura IQe + ISDH.
A resistência de fungos ao sítio-alvo do fungicida tem sido documentada para todos os fungicidas sítio-específicos frequentemente envolvendo resistência cruzada e múltipla (Ishii & Hollomon, 2015).
Quanto a evolução da redução da sensibilidade de P. pachyrhizi aos fungicida sítio-específicos, esse tema foi amplamente documentado e discutido por Reis et al. (2019).
Conceito de controle químico: (i) medida que visa reduzir a intensidade da doença alvo comparada com área sem tratar; (ii) controle é identificar o melhor tratamento entre vários testados, (iii) controle é identificar o produto que resulta na maior produtividade da soja, e (iv) controle efetivo é a medida que resulta no maior lucro para o produtor. A maior produtividade da soja em resposta ao controle da ferrugem é obtida com eficácia do fungicida > 80% (Reis et al., 2020) e o maior lucro é função da eficiência do controle (>80%) e do preço (R$) do fungicida. Dentro desse contexto, a afirmativa de Main (1977) de que ‘os agricultores cultivam a terra para ganhar dinheiro e não para alimentar os famintos’ merece ser pensada.
A situação atual, em relação a eficácia de controle da ferrugem da soja, tem sido preocupante considerando-se que controle acima de 80% não tem sido mais obtido e relatado.
Em relação ao controle, ou eficiência atual da ferrugem da soja pelos fungicidas sítio-específicos em misturas duplas ou triplas, tem sido registrada uma evolução da redução da sensibilidade do fungo aos fungicidas comerciais safra-após-safra (Reis et al., 2017).
Devido ao agravamento da situação de declínio contínuo do controle da FAS pelos sítio-específicos, levou, na safra 2012/13, ao início do uso de fungicidas multissítio à semelhança do corrido com o desenvolvimento da resistência de Phytophthora infestans (Mont.) de Bary ao metalaxil na Europa. Esse fungicida foi lançado no mercado europeu em 1977, e dois anos mais tarde, em 1979, foi constatada a redução da sensibilidade de Pseudoperonospora cubensis (Berk. & M.A. Curtis), em 1980, a P. infestans a esse i.a.(Duvauchelle & Ruccia, 2015; Gisi & Cohen, 1996). A principal estratégia usada no manejo da resistência de P. infestans ao metalaxil (fenilalanina), incluiu a sua retirada (1981 a 1984) do mercado e sua reintrodução em mistura com multissítio (mancozebe), na Irlanda e na Holanda. Mundialmente, até hoje essa mistura tem se mostrado eficiente no controle dos míldios do tomateiro, batateira, videira e de cucurbitáceas praticamente esquecendo-se do problema da resistência nos patossistemas envolvendo míldios (oomicetos) (Gisi & Cohen, 1996).
Portanto, na luta anti-resistência, se deve preferencialmente usar misturas de fungicidas com diferentes mecanismos de ação (mas não de sítio-específicos – IDM, IQe, ISDH): não confiar em fungicidas com um único mecanismo de ação sítio-específico isolado ou em suas misturas duplas ou triplas; usar misturas em tanque ou diferentes mecanismos de ação incluindo sempre multissítio (ex. clorotalonil, mancozebe ou oxicloreto de cobre). Essa estratégia deveria ter sido tomada antes da ocorrência do surgimento da resistência à FAS, no Brasil. A única maneira de prevenir a resistência é não usar fungicidas de alto risco (sítio-específicos) sem multissítios.
A gravidade da situação da redução do controle pelos fungicidas comerciais na safra 2015/16 no sul do Brasil, em misturas duplas ou triplas de sítio-específicos e acrescidas de doses do mancozebe, foi detalhadamente demonstrada. Nesse trabalho, os fungicidas sítio-específicos, sem a adição de multissítio, não alcançaram o rendimento máximo esperado e nem o máximo lucro, portanto, quanto os produtores deixaram de ganhar com o controle da FAS com 21 a 71% de controle (Tabela 1)? Na média geral sem mancozebe, o controle foi de 46% e, de 60, 67, 73 a 77% para a adição de 1,5; 2,0; 2,5 e 3,0 kg/ha de mancozebe respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1. Efeito da adição de doses do mancozebe a fungicidas sítio-específicos no controle (%) da severidade foliolar da ferrugem asiática da soja (Passo Fundo, safra 2015/16)

A comprovação do agravamento da situação do controle da FAS pelos produtos comerciais na safra 2018/19 é apresentada na Figura 1. Dos 18 fungicidas comerciais avaliados, apenas dois resultaram em controle de 50 e 57%; 15 produtos com controle < 50%. O único formulado com multissítio (mancozebe) em mistura comercial pronta, resultou em 78% de controle. Essa foi a situação na safra 2018/19 e a tendência para o futuro é uma contínua evolução da redução da eficácia se não for adotado em toda a área cultivada de soja e em todas as aplicações o uso de misturas de sítio-específicos + multissítio (Tabela 1).
Esses resultados são semelhantes ao que ocorreu com o controle da requeima da batateira e de outros míldios, com o metalaxil e outros mildiocidas.

A lição aprendida em relação ao uso de fungicidas no controle da FAS é que não se deve usar misturas de dois ou três fungicidas sítio-específicos (IDM, IQe, ISDH) apresentando resistência cruzada e múltiplas, numa situação de alto risco de desenvolvimento da resistência [grande área tratada, 2,6 aplicações/área, fungo com elevado potencial de esporulação 400 milhões de esporos numa planta (Reis et al., 2020, in press)].
A solução para evitar/retardar a redução da sensibilidade do fungo é o uso de fungicidas multissítios adicionados em mistura em tanque ou em formulações comerciais contendo IDM + IQe + multissítio. Os fungicidas clorotalonil, mancozebe e oxicloreto de cobre se constituem em componente chave da estratégia anti-resistência devido a sua atividade multissítio. Essa é a base dos programas ou de produtos que não desenvolvem a resistência; os multissítios são decisivos para manter a vida efetiva dos fungicidas sítio-específicos; os multissítios são a pedra angular do manejo da resistência da FAS.
Em relação ao manejo da resistência da FAS pelo uso de multissítios, pouco tem sido feito na divulgação da sua importância à sustentabilidade econômica da soja. A redução da sensibilidade avança mais rapidamente do que a adoção de medidas para pará-la ou reduzi-la.
Embora a medida mais eficiente de controle seja o uso de multissítio, na safra 2019/20, no Brasil, foram usados em apenas 0,5 das aplicações. Para agravar a situação, nesse momento, a União Europeia baniu o uso do clorotalonil em maio de 2020 e, talvez o mancozebe receba o mesmo veredito.
O objetivo desse artigo é resumido numa pergunta: essa mesma medida tomada pela EU será seguida pelo Brasil? Sem o uso dos multissítios não se obtém controle econômico da ferrugem asiática da soja (Tabelas 1 e 2).
Wyn net al. (2017), no artigo “O valor do mancozebe no controle da requeima da batateira no Reino Unido”, enfatizam que a perda do mancozebe levaria a uma redução da margem bruta dos produtores de batata de €87 a €507 milhões dependendo da severidade das epidemias de P. infestans. O impacto combinado do alto preço da produção resultante e aumento do risco é possível resultar na redução da oferta do produto na União Europeia e aumentando também o custo ao consumidor (Duvauchelle & Ruccia, 2015).
A retirada do mercado dos multissítios, na luta contra o desenvolvimento da resistência aos fungicidas sítio-específicos, comprometeria seriamente o manejo da resistência da FAS, no Brasil. Se forem banidos do mercado os multissítios e sendo o controle atual pelos sítio-específicos em misturas duplas ou triplas inferior a 50 (Fig. 1), a sustentabilidade econômica da soja pode vir a ser ameaçada pelo baixo controle pelas misturas sítio-específicos. Qual o impacto econômico na cultura da soja se o controle de 80% for reduzido para 50% ou menos (Fig. 1)?
Um exercício sobre o impacto econômico da retirado dos multissítios do mercado brasileiro, sobre o controle da FAS e a correspondente redução do controle com reflexo no rendimento da soja merece uma análise mais detalhada.
O rendimento da soja é função da eficiência do controle da FAS com fungicidas como mostrado na Figura 2. A função linear mostra que: [R=1927,9 + 31,633C (R = rendimento de grãos da soja e C= controle)] na área sem fungicida a produção foi de 1927,9 kg/ha e para cada 1% de controle resultou no aumento de 31,633 kg/ha.

Utilizando, para simulação, a função matemática da Figura. 2, obteve-se os valores do Quadro 1.
Quadro 1. Simulação do efeito do controle no rendimento de grãos da soja, no dano e na perda. Preço da soja R$ 90,00/saco em 03/05/2020
Numa simulação do dano Kg/ha) e da perda (R$/ha) para uma área de cultivo de soja de 10 e 100 ha se visualiza mais claramente o impacto econômico da eficácia do controle da ferrugem da soja (Quadro 2).
Quadro 2. Simulação do rendimento (kg/ha) da soja, dos danos (R$) e das perdas em função da eficácia (%) do controle da ferrugem asiática da soja numa área de 10 e 100 ha. Preço da soja R$ 90,00 / saco.
Utilizando o mesmo método calcule o dano e a perda, no Brasil, considerando os dados da safra 2019/20 com uma área cultivada de 36,8 milhões de ha.
A medida de controle mais eficiente no controle da FAS é a quimioterapia. A garantia da lucratividade máxima é obtida com controle > 80% e essa eficácia somente é obtida pelo uso de fungicidas multissítios.
Portanto, no controle da ferrugem asiática da soja, há risco do Brasil ficar sem multissítios?
Autores:
Erlei Melo Reis, Escuela de Pósgrado Alberto Soriano, Universidade de Buenos Aires, Argentina.
Mateus Zanatta e Andrea Camargo Reis, Instituto Agris, Passo Fundo, Rs
Referências
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