Por Maurício Antônio Lopes, Pesquisador da Embrapa

A ciência é uma das mais extraordinárias atividades humanas, pois permitiu a construção e a organização de conhecimento na forma de explicações e previsões testáveis sobre como o universo funciona.  Domínios científicos ou disciplinas, como a matemática, a física, a biologia, a química, a astronomia e a filosofia, aplacam a nossa sede por conhecimento e alimentam a  capacidade inventiva há séculos.  Capacidade inventiva que se destacou em feitos e eventos marcantes, desde a prensa de Gutemberg, que nos deu os livros, à máquina a vapor, que iniciou a transformação industrial do século XX, às revoluções na agricultura e na medicina, que salvaram milhões de pessoas da fome e das enfermidades.

Apesar dos imensos progressos que a ciência nos permitiu alcançar, o século 21 está sendo marcado por inusitadas mudanças na forma como a pesquisa científica se organiza na busca de entendimento e de soluções para os problemas cada vez mais complexos que a sociedade enfrenta.  Muitos desafios relacionados a clima, energia, água e alimento estão enraizados em múltiplos domínios da ciência e só podem ser tratados adequadamente se ampliarmos os nossos conhecimentos sobre os sistemas terrestres e suas interações.  Esse é o caso das mudanças climáticas, um dos temas mais pulsantes na agenda da sociedade, que envolve interações complexas entre ar, água, solo e os mais variados organismos vivos — plantas, animais e microrganismos.

É por isso que o conceito de nexo — ou temas vinculados por múltiplas conexões — ganha cada vez mais espaço no mundo da ciência.  O nexo “alimento-água-energia” nos alerta para a estreita relação entre segurança alimentar, hídrica e energética, e nos incentiva a reconhecer e tratar suas conexões em diferentes escalas, setores e disciplinas.  O mesmo ocorre com o nexo “alimento-nutrição-saúde”, que nos estimula a  superar a desvinculação entre os sistemas alimentares e de saúde e suas graves consequências para a sociedade.  Alcançar a sustentabilidade dependerá, cada vez mais, de atenção a tais nexos, para compreendermos de que forma os sistemas humanos e ambientais interagem e se influenciam e, assim, desenvolvermos processos, estratégias e políticas para melhor orientá-los.

E essa é a razão por que excelência em pesquisa científica será, cada vez mais, medida pela capacidade de se produzir conhecimento e inovações buscando sinergia e integração entre diferentes disciplinas e áreas do conhecimento. Investimentos em infraestrutura de pesquisa, formação de competências e gestão precisarão conduzir à integração dos domínios tradicionais da ciência para alcançarmos capacidade de responder a problemas cada vez mais multifacetados e complexos.  Gestores, pesquisadores, educadores e técnicos precisarão  compreender áreas afins e complementares. Mecanismos de estímulo e avaliação de performance da pesquisa científica precisarão conduzir à cooperação e à integração de esforços em oposição à fragmentação, competição e redundâncias, tão frequentemente detectados no mundo da ciência.  Fácil, portanto, perceber que apenas por meio da ênfase em instituições e processos renovados, conteúdos acadêmicos contemporâneos e educação diferenciada será possível promover uma ciência capaz de contribuir de forma efetiva para o desenvolvimento sustentável.

Agências financiadoras, universidades e institutos de pesquisa poderiam, por exemplo, substituir parte dos tradicionais projetos de pesquisa de foco restrito e disciplinar por portfólios, organizados para viabilizar a execução de projetos interdisciplinares de forma integrada e sinérgica. Tal prática ajudaria a consolidar modelos de gestão mais dinâmicos, mobilizando profissionais de diferentes especialidades em projetos inter-relacionados e interdependentes, gerenciados como uma unidade — o portfólio —, e direcionados ao tratamento de temas de grande complexidade.  Portfólios poderiam ter prazos de execução mais longos,  o que é usualmente necessário no tratamento de temas mais complexos, com novos projetos avaliados e selecionados na medida da necessidade, e projetos existentes recebendo estímulo extra, quando eficazes, ou sendo descontinuados, se não alcançarem desempenho adequado.



O Brasil já conta com bons exemplos de integração disciplinar e institucional na pesquisa científica.  Grande parte dos projetos da Embrapa está integrada em 35 portfólios dedicados a nexos como “agricultura-mudanças climáticas”, “alimento-nutrição-saúde”, integração “lavoura-pecuária-florestas”, dentre outros.  A Embrapa conta também com laboratórios multiusuários, para reunir em uma única plataforma pesquisadores das suas Unidades e de instituições parceiras.  Com a Unicamp, a Empresa opera uma unidade mista de pesquisa, e com instituições nos Estados Unidos e Europa desenvolve o inédito programa de laboratórios virtuais no exterior, o Labex.

O fato é que precisaremos aprimorar a pesquisa científica pelos caminhos da integração de disciplinas, estimulando o surgimento de instituições “sem paredes”, com alto grau de flexibilidade e mobilidade para estudantes, professores, pesquisadores e técnicos, organizados não apenas por domínios específicos da ciência, mas também em torno de problemas relevantes.  Por meio dessa experiência compartilhada, plataformas científicas mais dinâmicas poderão ser desenvolvidas, e novos paradigmas, linguagens e narrativas poderão ser formados, com resultados e impactos que fortaleçam as conexões entre a ciência e a sociedade.

Fonte: Embrapa

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