Autores: Luiz Eduardo Braga¹, Eduardo Argenta Steinhaus¹ e Juliano Ricardo Farias².

O percevejo barriga-verde que ocorre na região Sul do Brasil pertence a duas espécies principais (Diceraeus furcatus e Diceraeus melacanthus), sendo caracterizados como pragas-chave na cultura do trigo (Triticum aestivum), devido a regularidade de ocorrência nas diferentes safras e aos potenciais danos quando não manejados corretamente. De maneira geral, D. furcatus está presente em regiões de clima ameno durante o inverno, predominando no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e pode ocorrer também em algumas regiões do Paraná. Em contraponto, D. melacanthus possui melhor adaptação em regiões quentes, com maior ocorrência no Paraná, sendo notado também em Santa Catarina.

As duas espécies possuem aparência similar e muitas vezes não são diferenciados no campo. A definição da espécie que ocorre em um local específico é de extrema importância, podendo-se utilizar as características morfológicas do inseto para a determinação da espécie. De forma comparativa, a espécie D. melacanthus possui espinhos pronotais com coloração escura, mais compridos e pontiagudos que D. furcatus, além de serem menores (PANIZZI et al., 2015). O ciclo de desenvolvimento das duas espécies é semelhante, entretanto, possuem particularidades quanto ao período de duração. Em condições de laboratório, D. melacanthus possui um período de duração da postura dos ovos até a emergência do adulto próximo a 26 dias, diferente do que ocorre com D. furcatus, que possui um ciclo biológico em torno de 36 dias (PEREIRA et al., 2007; CHIARADIA, 2015). Salienta-se que além das características intrínsecas à espécie, as características ambientais também irão agir sobre o seu desenvolvimento, destacando-se a temperatura como um fator determinante.

O sistema de cultivo adotado nas regiões produtoras de trigo no Sul do Brasil auxilia na ocorrência do percevejo barriga-verde. Após a colheita das culturas de verão, os indivíduos que estavam ali colonizando podem se deslocar para áreas de mato, áreas úmidas ou áreas de exploração silvicultural. Existe também a possibilidade de utilização dos restos culturais como abrigo (figura 1), grãos perdidos na colheita como alimento e a colonização de plantas daninhas que ocorrem na lavoura, como o capim rabo-de-burro (Schizachyrium microstachyum e Andropogon bicornis) e a trapoeraba (Commelina spp.) (PANIZZI et al., 2015).

Figura 1. Percevejo barriga-verde abrigando-se em restos culturais antes da semeadura do trigo. Fonte: Jonas Dahmer

Outra forma de manutenção dos percevejos na lavoura é via utilização de plantas de cobertura de solo, como a aveia preta (Avena sativa), a ervilhaca (Vicia sativa) e o nabo forrageiro (Raphanus sativus), cultivadas para ocupar o vazio entre a colheita da cultura de verão e a semeadura do trigo, ou mesmo em áreas vizinhas. Essas plantas de cobertura não servem apenas para a manutenção das populações de percevejo barriga-verde, mas também para a sua reprodução, resultando em maiores níveis populacionais desses insetos-praga. O período danoso do percevejo barriga-verde em trigo é amplo, indo desde a fase inicial de desenvolvimento até o enchimento de grãos. Porém, o potencial de redução da produtividade e da qualidade dos grãos ocorre entre as fases de alongamento e grão leitoso, onde a redução de produtividade pode alcançar 33,1% em áreas sem manejo de D. melacanthus (CHOCOROSQUI e PANIZZI, 2004). O dano causado no tecido vegetal da cultura é resultado da introdução do aparelho bucal do inseto na planta e da liberação de enzimas que degradam os tecidos, tornando viável a alimentação do inseto (PANIZZI et al., 2015).

O ataque desses insetos-praga na fase vegetativa do trigo causa lesões circulares transversais e enrolamento seguido de necrose das folhas (figura 2), assim como, pode ser notada a redução do porte das plantas e a emissão atípica de perfilhos, resultando em perfilhos improdutivos ou com baixa capacidade de produção (CHIARADIA, 2012). Os danos nas fases fenológicas de alongamento até grão leitoso são maiores devido à redução direta da produção, explicado pela degradação dos tecidos responsáveis pela nutrição e enchimento dos grãos de trigo, resultando em espigas menores, com poucos grãos ou até mesmo vazias, pronunciando no campo o sintoma de espigas brancas (figura 3) (PANIZZI et al., 2015; SALVADORI et al., 2009).

Figura 2. Dano resultante do ataque de percevejo barriga-verde na fase vegetativa do trigo. Fonte: Jonas Dahmer
Figura 3. Sintoma característico de espigas brancas causado por ataque de percevejo barriga-verde na fase reprodutiva do trigo. Fonte: Jonas Dahmer

O monitoramento deve ser iniciado antes da semeadura do trigo, ao redor da lavoura ou em plantas cultivadas e espontâneas que estão presentes na área. Após a emergência da cultura recomenda-se realizar as amostragens, com intervalo máximo de sete dias, sendo avaliados pelo menos dez pontos para cada 100 hectares, distribuídos de maneira representativa no local (PANIZZI et al., 2015). O intervalo de dias entre as amostragens deverá ser reduzido quando as plantas estiverem com desenvolvimento próximo a fase mais suscetível ao ataque dos percevejos. O nível de controle atualmente recomendado é de quatro percevejos por metro quadrado na fase vegetativa da cultura, e a partir da fase de emborrachamento, dois percevejos por metro quadrado (PANIZZI et al., 2015). Salienta-se que em locais ou em épocas com clima mais quente, essa recomendação poderá não se enquadrar, devido a maior atividade alimentar do percevejo barriga-verde em condições de temperaturas maiores (DUARTE et al., 2010).

O controle do percevejo barriga-verde em trigo deve-se basear no manejo integrado de pragas (MIP), entretanto, poucas são as estratégias que asseguram controle satisfatório. O acompanhamento da dinâmica desses insetos-praga no campo mostra que a presença dos inimigos naturais auxilia na manutenção de baixos níveis populacionais do inseto, mas não deve ser a única estratégia utilizada. Alguns métodos de manejo como época de semeadura e escolha de cultivares possuem pouca ou nenhuma influência sobre a redução das perdas causadas por percevejos em trigo. O emprego de inseticidas para o manejo de percevejo barriga-verde em trigo até o momento é o método que possui maior eficiência de controle, sendo utilizados basicamente os inseticidas dos grupos químicos dos neonicotinóides, piretróides, organofosforados e carbamatos divididos em produtos para tratamento de sementes e aplicação foliar (AGROFIT, 2021).

A pouca disponibilidade de moléculas para o controle, o uso incorreto dos inseticidas e a limitada dispersão desses insetos-praga pode resultar em ocorrência localizada de resistência a inseticidas, sendo que na maioria dos casos, os inseticidas utilizados em trigo também serão utilizados em soja ou em milho. A diferença de suscetibilidade entre populações de D. furcatus a Lambda-cialotrina coletados em diferentes regiões do Rio Grande do Sul pode estar relacionada ao uso repetitivo desse princípio ativo, existindo variação da razão de resistência até próximo de 13 vezes (tabela 1), onde quanto mais a população for exposta a molécula, maior é o risco de seleção de indivíduos resistentes (SOMAVILLA et al., 2019).

Tabela 1. Concentração letal para 50% da população (CL50) e razão de resistência (RR50) a Lambda-cialotrina em populações de D. furcatus coletados na safra 2018/19 em diferentes regiões do Rio Grande do Sul (RS). Adaptado de Somavilla et al. (2019).

N: número de insetos utilizados no experimento; CL50: Concentração de inseticida que causa a morte de 50% da população de percevejos após um período de quatro dias; RR50: razão de resistência, obtido a partir da divisão da CL50 dos diferentes locais pela CL50 da população que apresentou maior suscetibilidade.

Ressalta-se que a eficiência de controle e a manutenção da produtividade do trigo irá variar conforme a espécie de percevejo barriga-verde, o método de manejo adotado, o uso dos inseticidas na safra atual e anteriores, o nível populacional da praga no momento da aplicação e o estádio fenológico da cultura, sendo fundamental para o sucesso do manejo o cuidado com cada um dos pontos citados.

Referências

AGROFIT. Relatório de pragas e doenças: Dichelops furcatus e Dichelops melacanthus. 2021. Disponível em: <http://bi.agricultura.gov.br/reports/rwservlet?agrofit_cons&pragas.rdf&p_cs_praga=I&p_id_praga=213&p_nm_cientifico=Dichelops%20melacanthus&p_nm_vulgar=&p_id_cultura=611&paramform=no> <http://bi.agricultura.gov.br/reports/rwservlet?agrofit_cons&pragas.rdf&p_cs_praga=&p_id_praga=212&p_nm_cientifico=Dichelops%20furcatus&p_nm_vulgar=&p_id_cultura=611&paramform=no> Acesso: 23/09/2021.

CHIARADIA, L.A. Danos e manejo integrado de percevejos barriga-verde nas culturas de trigo e de milho. Agropecuária catarinense, Florianópolis, v.25, n.2, p.42-45, 2012.

CHIARADIA, L. A. Biologia e descrição das fases de desenvolvimento de Dichelops furcatus. Agropecuária Catarinense, Florianópolis, v.27, n.3, p.83-88, nov.2014/fev.2015.

CHOCOROSQUI, V. R.; PANIZZI, A. R.  Impact of cultivation systems on Dichelops melacanthus (Dallas) (Heteroptera: Pentatomidae) populations and damage and its chemical control on wheat. Neotropical Entomology, Londrina, v.33, n.4, p.487-492, 2004.

DUARTE, M. M.; ÁVILA, C. J.; ROHDEN, V da S. Nível de dano do percevejo barriga-verde Dichelops melacanthus na cultura do trigo Triticum aestivum L. Dourados: Embrapa Agropecuária Oeste, 2010. 4 p. (Embrapa Agropecuária Oeste, Comunicado técnico, 159).

PANIZZI, A. R.; AGOSTINETTO, A.; LUCINI, T.; SMANIOTTO, L. F.; PEREIRA, P. R. V. da S. Manejo integrado dos percevejos barriga-verde, Dichelops spp. Em trigo. Embrapa trigo. Passo fundo, 2015. 36 p.

PEREIRA, P. R. V. da S.; TONELLO, L. S.; SALVADORI, J. R. Caracterização das fases de desenvolvimento e aspectos da biologia do percevejo barriga-verde Dichelops melacanthus (Dallas, 1851). Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2007. 10 p. (Embrapa Trigo. Comunicado Técnico Online, 214). Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/852409/caracterizacao-das-fases-de-desenvolvimento-e-aspectos-da-biologia-do-percevejo-barriga-verde-dichelops-melacanthus-dallas-1851>Acesso: 21/07/2021, às 14:35.

SALVADORI, J. R.; LAU, D.; PEREIRA, P. R. V. da S. Cultivo do trigo. Passo Fundo: Embrapa – CNP de Trigo, 2009. 11p.

SOMAVILLA, J. C.; REIS, A. C.; GUBIANI, P. da S.; GODOY, D. N.; STÜRMER, G. R.; BERNARDI, O. Susceptibility of Euschistus heros and Dichelops furcatus (Hemiptera: Pentatomidae) to Selected Insecticides in Brazil. Journal of Economic Entomology. Volume 113, Issue 2, April 2020, p. 924-931.

Informações sobre os autores:

  • ¹ = Estudante do curso de agronomia URI Campus Santo Ângelo e membro do grupo de proteção de plantas URI Santo Ângelo.
  • ² = Doutor em Entomologia. Professor URI Campus Santo Ângelo e coordenador do grupo de proteção de plantas URI Santo Ângelo.

Foto de capa: Jonas Dahmer

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