Por: Giovanni P. Bonometti e Flávio F. Figueiredo
O alerta, dirigido fortemente ao agronegócio, em meio à situação vivida: com o tempo há perigo claro de as sementes inundadas fermentarem e germinarem ao mesmo tempo no fundo dos silos gaúchos, o que levaria à combustão intensa e de difícil controle, como ocorreu nos silos de Beirute em 2022 após explosão e infiltração de água dois anos antes.
Parece que estamos falando de uma maldição bíblica, mas o assunto é real e aconteceu em várias partes do mundo.
Os grãos na presença de água, assim como qualquer semente, germinam, fermentam, ou ambos, e essas reações são exotérmicas, isto é, produzem calor. Se pensarmos em milhões de grãos, algumas centenas de toneladas, fermentando e germinando ao mesmo tempo, primeiro, uma parte da água evapora; depois, o calor gerado levará os grãos à combustão, e essa combustão será muito intensa e de difícil combate. Não é difícil de entender a importância do alerta.
Segundo apurado pelo “The Guardian”, naqueles silos de Beirute que explodiram em 2020, e que depois, em 2022, pegaram fogo e desabaram, ocorreu exatamente isso: a explosão de 2020 deixou rachaduras na estrutura por onde entrou água; essa água acumulou-se no fundo dos silos.
A operação daquela instalação não era em nada exemplar ou bem cuidada e os grãos da camada inferior ficaram úmidos; portanto, germinaram, fermentaram e formaram blocos, com o tempo, se tornaram um material de difícil movimentação e remoção.
Na sequência, ainda, novos grãos devem ter sido estocados e depois retirados na parte superior desses silos. Mas como nem as rachaduras foram tratadas, nem o material apodrecido no fundo dos silos foi removido, essas toneladas de grãos deteriorados geraram tanto calor que os silos pegaram fogo, levando ao colapso total da estrutura.
A NBC resumiu assim a explicação das autoridades portuárias libanesas: …” o incêndio nos silos era difícil de extinguir e ocorreu naturalmente como resultado da fermentação e ignição de restos de trigo.”.
A renomada revista World Grain em artigo redigido pelo engenheiro Dirk E. Maier da “Iowa State University”, publicado em 16/08/2021, esclarece em detalhes:” No centro dessa massa de grãos está o “ponto quente” de auto aquecimento que começa a dourar e, em seguida, escurecer os grãos como resultado dos esporos de mofo que se alimentam do amido e do óleo. O oxigênio é consumido enquanto a temperatura dos grãos aumenta, assim como a geração de CO² e a umidade devido à respiração dos esporos de mofo convertendo amido e óleo em calor, água e dióxido de carbono.”.
Situações comuns, mas quando controladas
Prova para entendimento do risco que as áreas agrícolas o Rio Grande do Sul enfrentarão é que, de forma controlada, algumas indústrias até se valem da germinação ou da fermentação (cervejaria, panificação, etc.), mas no caso os seus equipamentos são justamente projetados para suportar, controlar e conter essas reações.
Este assunto é, no momento, intensamente relevante para os brasileiros e particularmente para indústrias e cooperativas gaúchas. No Brasil, a maior capacidade de estocagem de grãos está em silos horizontais, retangulares ou cilíndricos, com descarga pelo fundo, fundo este que fica exatamente abaixo do calçamento e das vias.
Fica fácil entender que, nas áreas inundadas, a água encontrou caminho fácil para entrar na parte inferior desses silos, justamente por meio dos equipamentos e túneis de descarga. Uma situação que não pode ser negligenciada de forma alguma.
Fenômenos exotérmicos ocorrendo dentro de qualquer silo são uma péssima notícia, sobretudo o serão quando as águas baixarem nas regiões agrícolas do Rio Grande do Sul. O sistema de ventilação (se já não tiver sido comprometido pela água), ainda que funcione, não conseguirá conter a elevação da temperatura.
O sistema de descarga ainda que venha a funcionar – pois estaria a princípio completamente submerso – não foi projetado para receber e arrastar um emaranhado de produtos aderidos em blocos ou entrelaçados.
O alerta é claro: o momento de agir é agora, antes que a fermentação e a germinação ocorram. Depois poderá ser muito tarde.
Solução: intervenção imediata
É indispensável começar a retirar os grãos de cima para baixo, conforme o caso, descartá-los ou levá-los a secadores e, depois, a locais, ainda que provisórios, porém secos.
À medida que a altura de material ensilado é reduzida, melhora-se a condição de ventilação. Mais próximo ao fundo dos silos, chegar-se-á onde está o “ponto quente”. Nesse momento a retirada só poderia ser feita manualmente ou com gruas, com sorte talvez possam ser abertos acessos laterais do silo.
Esse alerta e lembrança importante não tem a intenção de alarmar os profissionais da área de ensilagem, agroindústrias ou mesmo aos bombeiros, mas a de propor que esses profissionais, ainda que nesse momento absolutamente sobrecarregados, acrescentem também essa preocupação, de forma proativa, salvando assim mais vidas, grãos e, sobretudo, preservando os silos cujas estruturas, principalmente as metálicas, seriam irremediavelmente afetadas pelas chamas.
O Brasil é um país carente em ensilagem, instalações que requerem altos investimentos. Sem ensilagem, ou com sua diminuição, indústrias e cooperativas podem encontrar ainda mais dificuldade no penoso processo de reerguimento e reconstrução da sua região de atuação.
Fonte: Assessoria de imprensa
Sobre os autores:
GIOVANNI P. BONOMETTI – Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP. Especializado na Transformação de Grãos pela ENSMIC (École Nationale Supérieure de Meunerie et des Industries Céréalières) – França. Consultor – Figueiredo & Associados Consultoria.
FLAVIO F. DE FIGUEIREDO – Engenheiro Civil, Consultor. Sócio- Diretor da Figueiredo & Associados Consultoria. Conselheiro do IBAPE/SP – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo.