- Técnicas genéticas avançadas revelam papel crucial dos microrganismos na produtividade agrícola, saúde ambiental e combate à fome, mas exigem padronização e integração com inteligência artificial
- A integração dessas técnicas com inteligência artificial pode acelerar a aplicação prática, tornando o manejo microbiano mais eficiente.
A saúde do solo, diretamente ligada à saúde de plantas, animais e humanos, é peça-chave da chamada “Saúde Única”. - Avanços em biotecnologia reduziram drasticamente o custo do sequenciamento, mas a tradução do conhecimento científico em soluções práticas ainda é limitada.
- O desafio agora é transformar análises descritivas em ferramentas de decisão no campo, com apoio de bancos de dados robustos e modelos preditivos regionais.

O sequenciamento genético do microbioma do solo desponta como uma das mais promissoras ferramentas para a agricultura sustentável, ao permitir a previsão da saúde do solo, o diagnóstico precoce de doenças e o aumento da produtividade. Combinado a sistemas de inteligência artificial e aprendizado de máquina, o avanço dessa tecnologia pode revolucionar o manejo agrícola. Pesquisadores da Embrapa e da USP publicaram o trabalho Explorando o Sequenciamento Genético do Microbioma do Solo na Agricultura em português e inglês.
No entanto, explica Rodrigo Mendes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, desafios como a padronização dos métodos, a criação de bancos de dados regionais e a aplicação prática dos dados ainda precisam ser superados para que esse potencial se concretize no campo.
“A crescente atenção dada ao componente biológico do solo marca uma mudança de paradigma, acredita o pesquisador. Tradicionalmente, o manejo agrícola se concentrou nas dimensões física e química do solo. Agora, o foco se amplia para os microrganismos — bactérias, fungos e outros seres microscópicos — que participam ativamente da ciclagem de nutrientes, da defesa contra patógenos e do crescimento das plantas. Esse enfoque está alinhado ao conceito de “Saúde Única”, proposto por organismos internacionais como a FAO e a Organização Mundial da Saúde, que reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental”, destaca Mendes.
A história do sequenciamento genético remonta a avanços marcantes como o Projeto Genoma Humano, concluído em 2003. Desde então, a biotecnologia evoluiu rapidamente. Em 2001, o custo para sequenciar um genoma humano era de cerca de 95 milhões de dólares. Hoje, esse valor caiu para menos de 600 dólares, graças à chamada “segunda geração” de sequenciadores, que operam de forma paralela e com alto rendimento. Essa redução de custos democratizou o acesso à tecnologia, incluindo seu uso em estudos de solo e agricultura.
Para o pesquisador Lucas Mendes, da USP, aplicar o sequenciamento genético à agricultura exige mais do que tecnologia acessível. Um dos principais entraves está na padronização e interpretação dos dados. Métodos como a metataxonômica (focada na identificação de espécies por genes marcadores) e a metagenômica (que avalia todo o material genético de uma amostra) revelam uma rica diversidade microbiana. “A maior parte desses estudos ainda é descritiva, sem conexão direta com aplicações práticas no campo, informa Lucas Mendes. A complexidade do solo, as diferenças entre amostras e a dificuldade de reproduzir resultados em larga escala dificultam a transição do conhecimento teórico para o uso comercial”, diz.
A extração de DNA e RNA do solo é outro ponto crítico. Diferentes métodos podem afetar a qualidade e representatividade do material genético obtido. Compostos naturais do solo, como ácidos húmicos, podem interferir nos processos laboratoriais, exigindo técnicas de purificação mais sofisticadas. O RNA, por sua vez, é mais instável e requer cuidados adicionais, como o uso de estabilizantes e etapas extras de purificação. Ainda assim, essas técnicas são essenciais para estudar tanto o potencial funcional (DNA) quanto a atividade real (RNA) do microbioma.
Dois tipos principais de sequenciamento são usados: a metataxonômica, que utiliza genes como o 16S rRNA (bactérias) ou o ITS (fungos) para mapear quem está presente no solo; e a metagenômica/metatranscriptômica, que revela não apenas quem está ali, mas o que estão fazendo. Essa segunda abordagem é mais cara e complexa, mas também mais reveladora: permite, por exemplo, associar grupos microbianos a funções específicas, como fixação de nitrogênio ou resistência a doenças.
Rodrigo Mendes explica que estudos recentes mostram como esse conhecimento pode se traduzir em ganhos produtivos. “Um experimento com soja revelou que solos com maior diversidade bacteriana apresentaram menor incidência de nematoides e maior produtividade.
Ferramentas como o Metagenome-Wide Association Study (MWAS), combinadas a modelos preditivos baseados em inteligência artificial, abrem caminho para que o sequenciamento do microbioma deixe de ser apenas uma ferramenta de pesquisa e passe a guiar decisões agronômicas. Por meio dessas técnicas, é possível prever, por exemplo, quais práticas de manejo favorecem comunidades microbianas benéficas — e, por consequência, melhores safras.
O futuro do microbioma do solo na agricultura depende agora do avanço simultâneo em três frentes: o barateamento e padronização das técnicas de sequenciamento; o desenvolvimento de bancos de dados mais robustos e regionais; e a integração com tecnologias de análise, como bioinformática e inteligência artificial. Quando essas peças se encaixarem, o solo — esse organismo vivo e complexo — poderá se tornar não só mais compreendido, mas também mais bem manejado, abrindo caminho para uma agricultura mais saudável, eficiente e sustentável.
“O manejo do microbioma do solo contribui diretamente para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 2: Fome zero”, afirma Paula Packer, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente. Segundo ela, integrar práticas agrícolas ao conhecimento sobre os microrganismos do solo pode melhorar a produtividade sem comprometer a sustentabilidade.
Série Documentos 140, de maio de 2025, de Rodrigo Mendes, Embrapa Meio Ambiente, Lucas William Mendes e Fernando Dini Andreote, da USP.
Série Documentos 141, de maio de 2025, de Rodrigo Mendes, Embrapa Meio Ambiente, Lucas William Mendes e Fernando Dini Andreote, da USP. Versão em inglês
Fonte: Cristina Tordin/Embrapa Meio Ambiente