A principal preocupação relacionada às plantas com genes de toxinas de Bacillus thuringiensis é a exposição contínua dos insetos-alvo a estas proteínas, que pode resultar na seleção de populações resistentes. Esse risco torna-se ainda maior se considerarmos a ampla extensão de área cultivada com soja Bt atualmente no Brasil. Assim, o já complexo manejo da resistência de pragas ganha um componente a mais.
As pragas da soja apresentam diferentes respostas ao Bt conforme a espécie em questão, algo já conhecido há muito tempo. A proteína Cry1Ac de B. thuringiensis é altamente eficiente no controle da lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), mas não atende ao conceito de alta dose para a falsa-medideira (Chrysodeixis includens), tornando essa praga mais apta ao desenvolvimento de resistência (BERNARDI, 2012).
Mesmo as populações de lagarta-da-soja demonstram possuir genes de resistência às toxinas do Bt, embora isso não seja frequentemente visto no campo. Em ensaios de laboratório com essa espécie, foi possível obter um rápido desenvolvimento de resistência com poucos ciclos de seleção, em três gerações (MOSCARDI et al. 2002). Ou seja, o potencial para resistência está presente naturalmente, dependendo apenas da pressão de seleção para manifestar-se.
Figura 1. Modo de ação das proteínas Bt no intestino das lagartas.

Existem métodos para determinar a frequência dos genes de resistência em uma população, como bioensaios com diferentes doses, cruzamentos com populações resistentes e cruzamentos entre irmãos. Também podem ser utilizadas técnicas de PCR para amplificação dos genes, o que possui a vantagem de ser mais rápido e não necessitar do inseto vivo, mas exigindo um conhecimento prévio dos genes responsáveis pela resistência.
Os níveis de suscetibilidade variam, inclusive, dentro da espécie, conforme a origem geográfica da população. O conhecimento dessa variabilidade espacial é importante para determinar quais genes devem ser inseridos nas culturas. Por outro lado, no caso das pragas da soja, ainda há poucas informações disponíveis sobre aspectos genéticos mais aprofundados, como o número de genes envolvidos na resistência e o tipo de herdabilidade (dominante ou recessiva).
Informações sobre fluxo gênico e capacidade de dispersão (distância de voo) das espécies-alvo também são importantes para definir o tamanho das áreas de refúgio a serem adotadas, além de possibilitar a identificação de sub-populações das pragas com preferência por determinadas plantas hospedeiras, como ocorre com as raças milho e arroz de Spodoptera frugiperda (NAGOSHI; MEAGHER, 2008).
Figura 2. Representação da estratégia de alta dose e refúgio sob duas condições: resistência recessiva (A) ou dominante (B), considerando indivíduos homozigotos resistentes (RR), heterozigotos (SR) e homozigotos suscetíveis (SS).

A estratégia de refúgio ainda é a medida mais recomendada para retardar o desenvolvimento da resistência, mas depende de algumas premissas. O refúgio só é eficiente nos casos em que as plantas transgênicas expressam as toxinas Bt em níveis elevados, de modo que a resistência torna-se funcionalmente recessiva. Dessa forma, a mortalidade dos indivíduos heterozigotos torna-se igual ou muito similar à mortalidade dos homozigotos suscetíveis.
Além disso, os indivíduos devem acasalar ao acaso com sobreviventes oriundos das áreas de refúgio, e os alelos de resistência devem ser raros, com frequência inferior a 1 x 10-3. No Brasil, as áreas de refúgio foram definidas como 20% da área total plantada com soja Bt na propriedade rural, devendo estar localizadas, no máximo, a 800 m de distância. Porém, é possível que essa percentagem seja reduzida no futuro, conforme aumentar a disponibilidade de plantas transgênicas expressando diferentes tipos de toxina piramidados.
Uma característica interessante buscada pelos melhoristas é a expressão da toxina Bt em tecidos específicos e/ou em determinados momentos do ciclo da planta. A expressão induzida por herbivoria já foi relatada para a toxina Cry1B em arroz, iniciando uma hora após a ocorrência de dano por broca (Chilo suppressalis) e atingindo expressão máxima entre oito e doze horas depois (BREITLER et al., 2002). Até o momento, essa característica ainda não foi explorada em plantas de soja, mas pode representar um caminho promissor para auxiliar no manejo da resistência.
Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.
Referências:
BERNARDI, O. Avaliação do risco de resistência de lepidópteros-praga (Lepidoptera: noctuidae) à proteína cry1Ac expressa em soja Mon 87701 x Mon 89788 no Brasil. 2012. 116 f. tese (Doutorado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, USP, Piracicaba, 2012.
BREITLER, J. C. et al. Transgenic Bt rice expressing a synthetic cry1B gene: expression strategies and field protection against the striped stem borer. Embrapa Soja. Documentos, 184; Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 74.
MOSCARDI, F.; PARO, F. E.; SOLDORIO, I. L.; SOSA-GóMEZ, D. R. Seleção para resistência a Bacillus thuringiensis por Anticarsia gemmatalis (Lepidoptera: Noctuidae), em laboratório. Em: Congresso Brasileiro de Entomologia, 19., 2002, Manaus.
NAGOSHI, R.N.; MEAGHER, R.L. Review of fall armyworm (Lepidoptera: Noctuidae) genetic complexity and migration. Florida entomologist, v. 91, p. 546-554, 2008.
SOSA-GÓMEZ, D. R.; OMOTO, C. Resistência a inseticidas e outros agentes de controle em artrópodes associados à cultura da soja. Em: HOFFMANN-CAMPO, C. B.; CORRÊA-FERREIRA, B. S.; MOSCARDI, F. (Eds.) Soja: Manejo Integrado de Insetos e outros Artrópodes-praga. Embrapa, Brasília-DF, 2012.