Os registros de pragas resistentes a inseticidas têm aumentado no Brasil, sendo o percevejo-marrom (Euschistus heros) um caso emblemático na cultura da soja. Os primeiros relatos de falhas no controle do percevejo-marrom ocorreram no início da década de 1990, sendo atribuídas a problemas de formulação do endossulfam, um dos inseticidas mais utilizados na época. Atualmente, produtos do grupo dos organofosforados e o próprio endossulfam estão sendo banidos do mercado, restando os piretroides e neonicotinoides como principais ferramentas de controle para os percevejos.
A falta de novas moléculas tem levado à utilização de produtos com modo de ação igual ou semelhante numa mesma safra, por vários anos. Essa repetida utilização tem favorecido a evolução de resistência nas populações de percevejos, especialmente no norte do Paraná e oeste de São Paulo. Muitas vezes, entretanto, as falhas de controle estão ligadas à rápida colonização de lavouras tardias por percevejos provenientes de áreas que já foram colhidas, devido à escassez de plantas e à necessidade do inseto procurar alimento antes de iniciar o período de oligopausa.
Especula-se que o controle frequente da lagarta-da-soja com organofosforados, desde a década de 1960, tenha ocasionado a seleção de genótipos de percevejos resistentes a este grupo de inseticidas, incluindo os ingredientes ativos metamidofós, profenofós, clorpirifós e monocrotofós – embora o acefato continue mantendo boa eficiência de controle. O endosulfam, único representante do grupo dos ciclodienos, também era amplamente utilizado para controlar tanto as lagartas desfolhadoras quanto as três espécies mais importantes de percevejos, gradualmente perdendo sua eficácia.
Figura 1. Proporção de espécies de percevejos da soja no Brasil, nas safras 2012/13 e 2013/14.
Crédito da imagem: Henrique Pozebon. Fonte dos dados: Jérson Guedes.
Além das causas operacionais para a evolução da resistência, devemos considerar também os fatores inerentes à espécie, como o fato do percevejo-marrom completar cinco a sete gerações por ano (espécie polivoltina). Em geral, os insetos polivoltinos desenvolvem resistência mais rapidamente que os univoltinos, por estarem submetidos a mais ciclos de pressão de seleção em cada safra. Quanto mais rápido for o ciclo de vida do inseto, mais frequente será o surgimento de novas mutações, permitindo que os genótipos resistentes predominem no local.
As espécies de percevejos que apresentam mais gerações por ano são Euschistus heros e Piezodorus guildinii, por exigirem menor quantidade de graus-dia para completar seu ciclo. Em regiões mais quentes, o número de gerações dessas espécies pode chegar até oito, comparado a cinco para Nezara viridula. Além disso, o manejo com inseticidas realizado na entressafra da soja sobre a palhada e outras culturas, também exerce influência nas populações subsequentes, podendo agir como um dos ciclos de seleção para aumentar a resistência dos percevejos.
Outra prática comum é a utilização de ingredientes ativos recomendados para percevejos, no controle de populações iniciais de lagartas desfolhadoras. Isso gera uma pressão de seleção já nas primeiras gerações de percevejos que colonizam a lavoura, e que continua com o uso dos mesmos inseticidas para o controle das gerações subsequentes. Assim, quando for necessário controlar lagartas no início da safra agrícola, recomenda-se utilizar produtos com modo de ação diferente daqueles utilizados para o controle de percevejos.
Medidas adicionais podem ser adotadas para manejar a resistência das populações de percevejos, tais como: dar preferência aos inseticidas mais seletivos no controle de lagartas, como reguladores de crescimento; realizar aplicação em bordadura, onde as infestações de percevejos geralmente se iniciam; e, acima de tudo, realizar a rotação de produtos, utilizando inseticidas com diferentes modos de ação no mesmo ciclo agrícola. Por exemplo, se foi aplicado um organofosforado e houver necessidade de reaplicação, utilizar piretroides e/ou neonicotinoides.
Figura 2. Exemplos de programas de rotação de inseticidas. As letras A, B e C representam diferentes modos de ação.
Crédito da imagem: Henrique Pozebon.
Muitas vezes, o manejo da resistência por meio da rotação de inseticidas é dificultado pela falta de opções de produtos com modos de ação diferentes e eficácia comprovada. Embora existam mais de duas centenas de inseticidas registrados para o controle das três principais espécies de percevejos, eles se resumem a apenas quatro modos de ação diferentes: inibidores de acetilcolinesterase (organofosforados); antagonistas dos canais do cloro mediados por GABA (ciclodienos); moduladores de canais de sódio do axônio (piretroides); e agonistas de receptores nicotínicos da acetilcolina (neonicotinoides). Além disso, para efeitos de rotação, os neonicotinoides e piretroides podem ser considerados um grupo apenas, por serem geralmente utilizados em mistura. Portanto, o monitoramento correto das populações e a aplicação no momento apropriado devem ser as prioridades no manejo de percevejos da soja.
Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.
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Referências:
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GUEDES, J. V. C.; ARNEMANN, J. A.; STÜRMER, G. R.; MELO, A. A.; BIGOLIN, M.; PERINI, C. R.; SARI, B. G. Percevejos da soja: novos cenários, novo manejo. Revista Plantio Direto, v. janeiro/fevereiro, p. 28-34, 2012.
PANIZZI, A. R.; BUENO, A. de F.; SILVA, F. A. C. Insetos que atacam vagens e grãos. Em: HOFFMANN-CAMPO, C. B.; CORRÊA-FERREIRA, B. S.; MOSCARDI, F. (Eds.) Soja: Manejo Integrado de Insetos e outros Artrópodes-praga. Embrapa, Brasília-DF, 2012.